Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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Descrição de chapéu violência

É preciso também pacificar o Brasil

Desvio de metralhadoras do Exército alimenta barbárie de nossa guerra particular

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Não sei se o leitor já teve a oportunidade de ver de perto uma metralhadora .50. A máquina impressiona menos pelo porte, de certa forma enxuto, apesar do peso de 34 quilos, e mais pela visão do cinto de munição, com sua série de cartuchos de alto poder destrutivo.

A .50 é um armamento pesado de guerra, usado há décadas por exércitos mundo afora. Dispara mais de 500 tiros por minuto e serve para combates terrestres ou defesa antiaérea. Pode perfurar blindagens e abater helicópteros e outras aeronaves.

O Arsenal de Guerra de São Paulo, em Barueri (SP), onde militares foram aquartelados após o sumiço de 21 metralhadoras - Zanone Fraissat-17.out.23/Folhapress

Há poucos dias, 13 dessas armas desapareceram de um quartel do Exército Brasileiro em Barueri, no estado de São Paulo. Também deu-se falta de um lote de oito outras metralhadoras, de calibre 7,62.

A descoberta do desfalque levou ao aquartelamento de centenas de militares. Atualmente 160 deles continuariam presos naquela unidade, sob investigação. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, já declarou não ter dúvidas quanto à colaboração interna no desfalque.

Noticiou-se que as armas, necessitadas de reparos, já teriam sido oferecidas à facção criminosa Comando Vermelho, ao valor de R$ 180 mil cada. Nesta quinta (19), a Polícia Civil do Rio encontrou 8 das 21 metralhadoras furtadas na Grande São Paulo.

Não é a primeira vez que armas de guerra são subtraídas e caem nas mãos do crime organizado. Entre 2015 e 2019, 54 delas foram desviadas das Forças Armadas, segundo a organização Sou da Paz. Metralhadoras .50 já foram utilizadas por quadrilhas em assaltos e outras investidas.

Tempos atrás setores influentes da chamada opinião pública manifestavam temores de que a utilização de militares das Forças Armadas em operações de combate ao narcotráfico poderia facilitar o contágio de servidores fardados, atraídos ou dobrados pelo dinheiro do crime.

Não se sabia, então, se episódios desse tipo já vinham ocorrendo. Hoje, não há mais dúvida. A couraça foi perfurada. A ponto de um militar da FAB ter sido preso na Espanha por traficar 37 quilos de cocaína quando viajava como parte da tripulação de apoio de Jair Bolsonaro, em 2019.

Esses casos evidenciam os progressos da infiltração de setores do Estado pelo crime organizado, uma realidade que não tem encontrado a devida resposta institucional e política.

Nos diversos níveis governamentais, do federal ao municipal, do Legislativo ao Judiciário, passando pelo Executivo e pela área de segurança, facções e milícia têm conseguido plantar seus interesses por meios diversos –subornos, coação, oferta de vantagens, apoio eleitoral etc. Faz pouco, não esqueçamos, milicianos desfrutavam de perigosa proximidade com o Palácio do Planalto.

Enquanto o mundo volta suas atenções para a guerra em Israel e mantém um olho no conflito da Ucrânia, continuamos por aqui com nossos intermináveis enfrentamentos armados envolvendo um leque de organizações criminosas e disputas por territórios. Duas grandes operações estão neste momento em curso na Bahia e no Rio de Janeiro.

Seguimos com nossa própria rotina de confrontos em que civis, crianças e adolescentes são mortos de maneira injustificável. O noticiário sobre as infames "balas perdidas" já se tornou banal. Nos bairros pobres, as assim conhecidas "comunidades", a Constituição é uma peça ornamental. Invadem-se residências e pessoas espremidas entre o poder do crime e as incursões das Polícias Militares são espancadas e assassinadas em nome de políticas de segurança insustentáveis.

Enquanto assistimos aos louváveis esforços da diplomacia brasileira no exercício de sua vocação para o entendimento e a paz, em nossa guerra particular os exemplos de barbárie continuam a chocar. É preciso também pacificar o Brasil.

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