Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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Chico em 99: FHC acha que sou o Itamar Franco da música?

Na entrevista, compositor deu uma gargalhada ao rebater crítica do tucano e falou sobre sua preferência por Lula

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Em março de 1999, Chico Buarque estava em São Paulo para shows da turnê As Cidades, que teriam lugar no memorável Palace, então a grande casa de shows paulistana. Com o jornalista Fernando de Barros e Silva, fui entrevistar o grande compositor, na primeira e única vez que pude com ele conversar. O encontro aconteceu no hotel em que se hospedava.

Havia, como sempre, muitos assuntos a tratar, um deles, incontornável, dizia respeito aos comentários que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fizera sobre Chico, considerando-o um artista mais convencional do que Caetano Veloso e Gilberto Gil. FHC tinha lá suas broncas com o filho de seu colega Sérgio Buarque de Hollanda, que demonstrava mais simpatias com a esquerda.

Homem branco de camisa branca sorri diante de microfone enquanto segura violão e ergue o braço em saudação
Chico Buarque em show da turnê As Cidades, em São Paulo, em 1999 - Adriana Zehbrauskas - 19.mar.1999/Folhapress

"Será que ele pensa que eu sou o Itamar da música?", perguntou Chico soltando uma gargalhada. Referia-se ao presidente Itamar Franco, que nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda e chancelou o Plano Real. Após a eleição de FHC os dois passaram a trocar farpas e acusações.

"Se ele me considerasse um Itamar, a reação dele comigo seria mais violenta. Ele me vê mais próximo do Lula, do PT, embora eu não seja do PT. Mas acho engraçado o nervosismo do governo com o Itamar."

Sobre Lula, dizia ser seu eleitor, mas que temia, caso eleito, não chegasse a governar. "Nessa última eleição, eu votei no Lula porque discordo das propostas do Fernando Henrique, mas, no fundo, não queria ver o Lula eleito agora. Seria impossível governar. Olhando agora para trás, até mesmo em 1989, se o Lula fosse eleito, dificilmente ele governaria. Estão surgindo revelações sobre restrições militares à eventual posse de Lula em 1989."

Chico mostrava-se também cético —ou realista— ao avaliar opiniões musicais de políticos, ainda que fossem próximos. Ao comentar o tema, com língua afiada, mencionou o próprio Lula:

"Normalmente, quando o político fala de música popular, está fazendo política. Amanhã é capaz que o Lula venha assistir ao meu show. É um ato político. Eu duvido sinceramente que o Lula goste tanto da minha música. Ele vindo, vai desmentir isso, mas eu não acredito. Já passei por isso várias vezes. No caso do Fernando Henrique, o fato de ele gostar mais do Caetano e do Gil pode ser mesmo uma apreciação estética, mais do que política. Afinal, o Fernando Henrique nem é tão bom político assim. O Antonio Carlos Magalhães é muito melhor político do que ele. Está há muito mais tempo no métier e não diria uma coisa que não fosse conveniente politicamente."

Na ocasião, Chico estava lançando o álbum "As Cidades", que trazia, entre outras, a marcante "Iracema Voou", cuja letra falava da personagem melancólica que deixou o Brasil para tentar vida fora, como tantos outros em anos de crise. O disco tinha um travo de desencanto, uma atmosfera de certa forma crispada em relação ao Brasil. Não por acaso surgiu uma comparação, feita por Gil, que Chico lembrou: "Isso é engraçado. O Gil, conversando recentemente comigo, comparou 'Iracema Voou' a 'Bye, Bye, Brasil'. Talvez o disco todo permita essa passagem. Não sei".

Sobre o tom desencantado, ponderou que não era propriamente uma novidade em sua trajetória:

"Eu não tenho discos especialmente alegres. Talvez haja no disco a presença e a ausência de Tom Jobim, ao mesmo tempo."

Quanto a seu sempre propalado engajamento político, mais uma vez em pauta ao completar 80 anos, Chico já tinha deixado na entrevista um alerta: "Há uma tendência generalizada de politizar o que eu faço. As pessoas acham que eu sou mais politizado do que realmente sou".

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