Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Gilberto Freyre feminino

Entre a 'sociologia pouco viril' e o habeas corpus : Freyre e o 'Grande Ruy'

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Em Casa Grande & Senzala, publicada há exatos 90 anos, Gilberto Freyre foi acusado de praticar uma "sociologia pouco viril"; "uma sociologia de casas velhas, que sugere preocupações apenas femininas em torno de assuntos melancolicamente mortos ou docemente inofensivos", como escreveu em Sobrados e Mocambos. A obra pecaria, segundo seus críticos, pelo que chamou de falta de "varonilidade sociológica".

Sua preocupação com a casa, um espaço socialmente dominado pela mulher; com a vida privada, a vida sexual de senhores e escravos ("uma sociologia do interior de alcova"); famílias e hábitos. E contrastava com o que entendiam ser uma sociologia masculina "para eles ligada apenas as questões jurídicas e políticas, aos problemas do dia agitados na ágora, na praça, na rua, por homens públicos seguros de tudo poderem resolver dentro do legalismo ou da lei, dentro da constituição ou com o habeas corpus."

Ilustração do artista plástico Cícero Dias para a primeira edição "Casa Grande & Senzala" (1933), de Gilberto Freyre - Divulgação

Freyre foi perseguido durante a ditadura varguista (sua correspondência foi confiscada durante três anos) e acusado de "negrofilia", apologia dos mocambos e do xangô ("africanismos"). "Mesmo assim não conseguiu o chamado ‘Estado Forte’ paralisar o esforço intelectual do autor. Apenas dificultá-lo. Nem abalar sua confiança nos pardos, euroasiáticos, nos malaios, nos mestiços, nos cafuzos do Brasil" (Prefácio à 5ª. edição de C G & S, 1946).

Como modelo intelectual, seu antípoda seria Ruy Barbosa. Seus críticos, afirmou, "lamentam que ‘o grande Ruy’ – isto é Ruy Barbosa – não tenha continuadores nesta época que consideram pouco viril, em que alguns dos sociólogos brasileiros invés de agitarem nos fóruns ou no mercado as questões do dia se escondem por trás de sobrados velhos e tachos de doce".

Mas a oposição Ruy-Freyre contrapõe dois tipos ideais - o estadista e o acadêmico - em um contexto em que este último ainda era incipiente. Era a antropologia se libertando do direito. Ela também é mais que isto. Vilipendiado intensamente, em proporção inversa ao conhecimento de sua obra, Freyre antecipou uma crítica já banalizada hoje de um patriarcalismo na divisão social de objetos de pesquisa. Freyre mais uma vez surpreende.

A ciência política ganhou autonomia disciplinar quando se libertou da normatividade dos bacharéis, e adotou o cânone da ciência positiva que busca identificar padrões, testar hipóteses e explicar porque os fenômenos são como são. A normatividade militante cega o zelo analítico e bloqueia o conhecimento científico. É certo, contudo, que na esfera pública, a normatividade aliada à enorme capacidade analítica e assombrosa erudição – da qual Ruy é o paradigma - faz muita falta hoje.

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