Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Governabilidade não é sinônimo de boa governança

Coalizão governativa é condição necessária mas não suficiente

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Governabilidade, em uma definição minimalista, denota a capacidade do Executivo de aprovar a sua agenda. Arranjos institucionais e as preferências dos atores influenciam essa capacidade. Cria-se um impasse, por exemplo, se uma maioria legislativa não aprova uma iniciativa legal, mas não é ampla o suficiente para derrubar o veto presidencial (EUA). Em regimes parlamentaristas, pode-se permanecer sem governo por 589 dias pela incapacidade de os partidos chegarem a um consenso (Bélgica, 2011)

O presidente chileno, Salvador Allende, discursa em Valparaíso em fevereiro de 1973, sete meses antes do golpe militar que o derrubou e o levou à morte - AFP

Sim, agenda é endógena: o Executivo apenas propõe o que espera ser aprovado. Ou não. O Executivo pode tentar impor sua agenda. Ocorreu com Allende faz 50 anos nesta semana. O mandatário chileno contava com 1/3 dos votos no Congresso, mas renegou a aliança com os democratas cristãos, que viabilizara sua eleição indireta pelo Congresso. Resolveu "avanzar sin transar", em típico cesarismo plebiscitário, como mostrei aqui .

Allende tinha uma agenda, o que não é o caso de líderes populistas que apregoam objetivos abstratos. Em democracias de baixa qualidade a agenda não existe ou é secreta, não é publicizada. Isso explica em parte a inexistência de acordos programáticos. Ou pode ser ainda pior: é tecnicamente deficiente.

A governabilidade definida como aprovação da agenda não produz necessariamente boa governança. A montagem exitosa de coalizões governativas é precondição para tanto, mas sinaliza apenas ausência de crise e conflito aberto. Se não estiver ancorada programaticamente, é enxergada pelo eleitorado como conluio generalizado, "pax predatória", já tratado em coluna.

Entre nós, Executivo e Legislativo deparam com incentivos distintos: o primeiro é punido ou premiado pelo desempenho macroeconômico, inflação e emprego; o segundo, pela atração de investimentos federais e melhorias locais. A estrutura de incentivos os leva a defender agendas distintas, criando problemas de ação coletiva e de tragédia dos comuns. Isto porque os parlamentares não internalizam os custos (fiscais) de suas ações, como discutido aqui.

Esses problemas são mitigados, nas democracias, por partidos fortes permitindo o alinhamento de preferências Executivo-Legislativo e alongando o horizonte do cálculo político. A opção brasileira face ao partidarismo débil foi a extensa delegação de poderes ao Executivo da Constituição de 1988, que dotou os presidentes de prerrogativas procedimentais em relação à agenda congressual (iniciativa exclusivas, orçamento autorizativo, MPs e outras). Mas ela só produz boa governança se o presidente tiver uma agenda clara e publicizada, ancorada em evidências e for apoiado por coalizões legislativas pré-eleitorais amplas. Na sua ausência, teremos "malaise" política e insustentabilidade fiscal.

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