Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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Maria Hermínia Tavares

Não se exclui que a extrema direita se adapte às regras democráticas

Extrema direita pode se valer das regras democráticas para avançar sua agenda reacionária.

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O entusiasmo da multidão que Jair Bolsonaro levou à avenida Paulista, no domingo (25), não foi suficiente para esconder que ali se saudava um derrotado: nas urnas e no intento de permanecer no poder por meio de um golpe. Este só não se consumou porque as instituições democráticas e as lideranças que as animam, no Estado e na sociedade, barraram-lhe os passos.

Não foi por outra razão que, vencido, o ex-presidente abandonou a retórica incendiária –sua marca desde sempre– pela moderação, loas à democracia e apelos autointeressados de pacificação e anistia para os conspiradores –de gravata ou farda– e para os descerebrados que invadiram a praça dos Três Poderes.

Ato bolsonarista na avenida Paulista - Bruno Santos/Folhapress

Suas juras de lealdade ao sistema representativo valem tanto quanto a negação de que tramou contra ela antes, durante e depois da disputa presidencial. Mas, como a extrema direita não é fenômeno episódico –está aí para ficar na nossa vida política–, cabe perguntar até que ponto ela pode constituir ameaça existencial à ordem democrática.

A resposta não está no campo da teoria ou dos princípios, mas na solidez das instituições públicas e sociais em que se arrima o edifício democrático.

Velho conhecido dos latino-americanos, o populismo –agora da direita radical–, desde a segunda década do século, ganhou espaço político nos países onde o sistema representativo liberal existia de há muito, onde era mais jovem e naqueles que pareciam caminhar em sua direção, depois da Guerra Fria.

Neste último caso, a livre competição eleitoral, o controle recíproco dos Poderes e as liberdades públicas vêm sendo limitados, em maior ou menor grau, por setores que, alçados ao governo, se dedicam a solapá-lo. É o que ocorre na Rússia pós-soviética e nos países que outrora figuravam no mapa do socialismo real. E ainda, por outros caminhos, na Venezuela e na Nicarágua, onde o populismo autoritário foi gerado na esquerda.

Nas democracias mais antigas, o rumo das coisas pode ser outro. Bem ou mal, a extrema direita, incorporada ao livre jogo eleitoral, parece adaptar-se às regras do regime de liberdades. O caso da Itália, onde o populismo transitou várias vezes entre governo e oposição, é talvez o mais ilustrativo.

Não se exclui que, também no Brasil, a extrema direita, derrotada, se adapte às regras democráticas e delas se valha para avançar sua agenda, que será insanavelmente reacionária.

P.S. - A discussão dos dilemas de nossa democracia perdeu uma voz ímpar, com a morte do sociólogo Luiz Werneck Vianna. Foi pensador original, intelectual público, democrata raiz, interlocutor instigante e amigo querido.

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