Agonia maior não há: a eleição deste ano é talvez a pior das angústias políticas da gente de bem da minha geração (a dos 60 anos) e de, talvez, outras mais velhas e jovens.
Se Lula ganhar a eleição, quem sabe acaba essa maldição —que o diabo existe e anda pelo governo do Brasil há quase quatro anos. Guimarães Rosa já tinha reconhecido o demo enfronhado nos confins do país, no fundão do sertão, no meio das ruas em alvoroço. Daí se deu que o capiroto caiu de assalto sobre Brasília.
E Rosa percorreu todo o nosso alfabeto na tentativa de defini-lo, de dar forma ao inominável: o Azarape, o Belzebu, o Cão Extremo, o Demonião, o Ele, o Faca-Fria, o Grão Tinhoso, o Hermógenes, o Indivíduo, o Lúcifer, o Muitos-Beiços, o Não-sei-que-diga, o Ocultador, o Pai da Mentira, o Que-Não-Há, o Rasga-em-Baixo, o Sujo, o Tranjão, o Um-que-não-existe, o Xu.
Pois o Xu, o maligno, saltou do sertão das gerais e aboletou-se em Brasília. Se Lula ganhar, quem sabe se acaba essa depressão —é que lá se foram quatro anos roubados da nossa frágil felicidade (para não contabilizar os dois anos e meio da canalhice de Michel Temer, o traidor indigesto).
Se Lula ganhar a eleição, quem sabe o engenheiro da família volte para o Brasil, ele que vive na Alemanha faz três anos, trabalhando lá na sua profissão, sendo bem remunerado, sua função e atuação social valorizadas como devem ser. Ele, que só tem 34 anos de idade, precisou cair fora daqui nestes tempos de trevas, desinvestimento em educação e ciência, empobrecimento, fome, destruição e morte.
Se Lula ganhar, a mulher do engenheiro, doutora em química e pesquisadora que recebeu uma bolsa de estudos do governo alemão para ficar lá pesquisando por três anos, talvez volte também para o Brasil. A jovem de 34 anos também é mais uma a compor a chamada "fuga de cérebros", triste diáspora de cientistas brasileiros dos últimos anos.
Casal tão jovem, ela e o engenheiro poderiam estar aqui contribuindo para o progresso da ciência nacional (para não falar do acalanto que seriam, quem sabe, para tias velhas e escanteadas como eu).
Se Lula ganhar a eleição, quem sabe a mídia caia em si e trabalhe em prol da democracia. Sim, quem sabe. Alguns jornalistas que conheço pensam em sair da imprensa se Lula ganhar, porque não querem se submeter de novo ao massacre, à emboscada de distorção da realidade promovidos pela imprensa a um governo de esquerda —perseguição que levou certos profissionais ao extremo da náusea, quando do golpe de 2016.
Jornalistas de carteirinha me disseram isso —comentário que teve um efeito subitamente paralisante sobre mim. Mas será? Vão inverter de novo o lide (as primeiras linhas da matéria)? Vão esconder de novo o fato, jogá-lo para o fim do texto, em vez de apresentá-lo no começo, precisamente como o fato deve ser? Vão fingir que estão dando a notícia? Não aprenderam no que isso resulta? Ou vão mesmo insistir na fabricação da mentira e na "fabricação da amnésia" social (para usar expressão de José Arbex Jr.)?
Este o temor de certos jornalistas: de que a mídia se arvore novamente a partido, a parlamento, que sucumba uma vez mais ao posto ignóbil de balcão de negociatas políticas da classe dominante, que sirva de arauto da desonestidade, a palco de espetáculo da manipulação e da desinformação.
Os números da diáspora na ciência são gritantes. Fala-se no aumento exponencial de mão de obra altamente qualificada de pesquisadores que deixaram o país levando na bagagem "conhecimento de ponta e anos de investimento público". A gangue do obscurantismo e da inconstitucionalidade que ocupa Brasília praticou corte e bloqueio de verbas em volume de bilhões na Ciência e Tecnologia.
Fontes afirmam que, desde 2015, com a crise econômica acirrada pelo golpe contra o governo de Dilma Rousseff, a pasta perdeu quase 60% de seus recursos. Efeito paralisante, mentira, amnésia. Se Lula ganhar, quem sabe se acaba essa ameaça, essa sombra diaba que encobre o país —porque sim, porque o mundo se move, a Terra se move, a despeito da praga do Satanão, do Ocultador, do Pai da Mentira. Se move!
"No entanto, se move (‘Eppur si muove’). Ao sair do tribunal do Santo Ofício, depois de condenado a abjurar de suas teses heliocêntricas, Galileo Galilei fez essa afirmação, como forma de negar a negação a qual foi forçado" (observação de Fabricio Pereira da Silva na Revista Sul-Americana de Ciência Política).
Ora, se move... Ainda que, no "espaço jornal", a sensação seja por vezes de inútil suicídio, como já anunciava João Cabral de Melo Neto em seu "Pedra do Sono":
"No espaço jornal
esqueço o lar o mar
perco a fome a memória
me suicido inutilmente
no espaço jornal".
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