Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Só Del Nero está surpreso

As pessoas só ficam espantadas com a cara de pau dele e de seus advogados

Marco Polo Del Nero
Marco Polo Del Nero - Sergio Moraes/REUTERS

Alguém mais foi surpreendido pela notícia de que a Fifa baniu Marco Polo Del Nero do futebol? As pessoas só ficam espantadas mesmo com a cara de pau que ele e seus advogados têm ao dizer em nota que "o Comitê de Investigação da entidade não foi capaz de produzir qualquer prova de seu envolvimento em esquemas de corrupção". Acreditassem nisso, Del Nero não estaria desde 2015 sem viajar, com medo de que a Justiça americana, que parece estar cheia de provas, faça o que a brasileira não foi capaz.

Del Nero pode estar pasmo, afinal a própria Fifa tem lá os seus podres poderes. Mas desde que o Departamento de Justiça dos EUA indiciou 14 pessoas, entre elas o ex-presidente da CBF José Maria Marin, a entidade quer mesmo dar a impressão, ainda que seja só impressão, de que está num processo de moralização entre seus representantes e de tentar melhorar a imagem perante a opinião pública. Portanto, não há nada de surpresa que tenha resolvido se livrar justamente de um dos nomes da lista negra do FBI.

Sujeitos como Del Nero acham que nunca nada vai acontecer a eles e têm motivos para isso. Em 2015, num levantamento feito pela Folha, 13 inquéritos já haviam sido abertos pela PF em 15 anos. Todos deram em nada. Algumas investigações foram arquivadas, outras acabaram atravancadas por determinação judicial.

Depois do escândalo da Fifa, quando a cavalaria ianque chegou e começou a prender vários figurões, foram abertas duas CPIs, uma na Câmara e outra no Senado brasileiros. Durante décadas não fizeram nada para punir alguém, fariam naquele momento? Claro que não. Depois de gastar tempo, e dinheiro do contribuinte, as duas comissões foram arquivadas. Com manobras mirabolantes dos congressistas da bancada da CBF, Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero, dois dos indiciados pela Justiça americana, nem sequer chegaram a ser ouvidos. Por isso Del Nero está surpreso, pela certeza da impunidade.

É cedo para acreditar que o jogo está virando, mas na quinta (26) o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou para a Justiça do Rio investigação que tem Teixeira, Marin e Del Nero, além de outros ex-dirigentes da CBF, como protagonistas. O inquérito estava no STF porque envolve também o deputado federal Marcus Vicente (PP-ES), o único com foro privilegiado, o que fez a Procuradoria-Geral da República pedir que as outras denúncias fossem despachadas para o Rio.

Ele é fruto de um relatório alternativo sobre a CPI do Futebol de 2015, assinado pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Romário (Podemos-RJ), que acabou sendo ignorado pelo relator do documento oficial, aquele que arquivou o trabalho da comissão. Vocês ficariam surpresos ao saber que o responsável era ninguém menos do que Romero Jucá (PMDB-RR), o líder do governo que acumula contra si pedidos de investigação? Pois é, dá para entender que Del Nero esteja "surpreso".

A investigação enviada ao Rio tem todo tipo de acusação, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, estelionato, crimes contra o sistema financeiro, sonegação fiscal e falsidade ideológica.

O que surpreende mesmo é a CBF talvez achar que o fato de Del Nero não estar mais à frente da entidade --não oficialmente-- possa aliviar a percepção do brasileiro de que nosso futebol está afundado em corrupção.

Junte-se a isso a conivência dos patrocinadores, de parte da imprensa e também do público, que insistem em acreditar que a CBF é uma coisa e a seleção é outra. A CBF não existiria, e não teria dirigentes envolvidos até o pescoço em maracutaias, se não tivesse um produto tão poderoso chamado seleção brasileira.

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