Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Envelhecer é uma merda

Pessoas podem viver bem até com 100 anos, mas em alguns aspectos bom mesmo é ter 20 anos

A gente quer acreditar que os 40 são os novos 30, assim como os 50 são os novos 40 e assim por diante. Mas estou cada vez mais com a Cher, 72, que, perguntada sobre como se sentia ao envelhecer, foi direito ao ponto. “Acho uma merda”, respondeu, durante entrevista à apresentadora Oprah Winfrey, quando tinha 68 anos.

Oprah ainda tentou fazer a velha conexão entre envelhecimento e sabedoria, mas Cher não deixou por menos. “Foda-se [a sabedoria].” A plateia caiu na risada, inclusive porque é libertador alguém falar honestamente sobre aquela baboseira de “melhor idade”. As pessoas podem viver bem até com 100 anos e não tenho dúvida que haja muito/a coroa se divertindo mais do que a maioria dos jovens de hoje. Mas em alguns aspectos bom mesmo é ter 20 anos. Ok, podemos dizer que 30 é a glória.

Idosa pinta quadro em São Paulo
Idosa pinta quadro em São Paulo - Maria do Carmo/Folhapress

Ninguém precisa ser gênio para saber que experiência traz amadurecimento. Acho difícil discordar de alguém que fala que gostaria de ter a cabeça de 50 aos 20. Para algumas pessoas, imagino, seria de grande utilidade ter maturidade para não mandar o chefe para o beleléu, ter recaídas com sapos cafajestes ou incluir no currículo experiências que não fariam falta, vulgo cagadas homéricas. Uma vida menos dolorosa, fato, mas muito mais previsível. E a verdade é que a maioria dos que levam uma existência monótona aos 50, devia ser chegado à chatice aos 20 anos. Era só questão de tempo.

Mas a questão mais importante não tem a ver com escolhas profissionais ou com quem a gente decide se casar –ou não. Tudo o que disserem que acontecerá com o seu corpo depois dos 40, acredite, vai acontecer. Talvez de uma forma mais devastadora do que você possa imaginar.

Sua visão vai falhar. Bingo. Pode ser aos 40, aos 41, 42, mas não passa dos 45 o dia em que você vai começar a afastar o celular, o jornal, o panfleto da farmácia (lugar que se tornará tão familiar quanto o seu boteco preferido, um dia, muito frequentado), para conseguir focar a visão. Anote aí: tem data marcada para que você comece ficar bem puto com os cardápios de restaurantes que têm pratos com cifrões adultos, mas são escritos em Arial 6. E, como humilhação pouca é bobagem, você não apenas terá que colocar os óculos, como acender a lanterna do celular porque é sempre tão escuro que numa dessas escolhe um vinho de R$ 1.500 porque enxergou R$ 150.

Juro que eu não acreditava nessa coisa chamada metabolismo. Eu olhava para as mulheres roliças na academia, que insistiam em dizer que a culpa era do organismo lento, mas para mim o mais óbvio é que fosse só preguiça e muita lasanha. Mais um pouco ganho carteirinha do time das roliças. Fiz todos os exames, mais de uma vez, em busca de um diagnóstico que acabasse numa receita mágica que iria me deixar magra de novo. Nada, tudo certinho para o meu desespero. Já escutei 17 vezes de 17 médicos diferentes que, né, idade mais metabolismo dá nisso aí.

Tenho ido de três a quatro vezes à academia, cortei a comida pela metade. Comprei suplementos caros que prometem recuperar meu fusquinha que um dia foi uma F1. Com muito esforço tudo o que consegui foi quase virar um daqueles gordinhos fortinhos que se matam na musculação e não perdem um grama. Descobri que ou malho todos os dias ou me conformo com o manequim avantajado.

Recebi dicas que são repassadas como se fossem os números da Mega-Sena, por profissionais, amigos e inimigos. Todos magros. Nenhuma delas cabe no meu plano de continuar feliz e me divertindo. Corte o álcool. Diminua o carboidrato. Não coma nada depois das 18h. Faça jejum que está na moda. Crossfit seca. Só de pensar minha lombar geme.

Falei da lombar? Vai doer. Inclusive quando estiver sentado. E deitado. De ladinho. Com o travesseiro no meio das pernas. De barriga para baixo. Ou para cima. Tanto faz. Vai doer. E reze para que seu amor não queira transar bem no momento em que finalmente você se ajeitou numa posição que não incomoda.

Outra grande verdade que custei a encarar. Se você foi magro boa parte da vida, não relaxe perto dos 40 para não ter que fazer uma escolha cruel: ou jovem ou magro. Não tem dia certo, mas o colágeno tem marcada uma cerimônia do adeus. A partir daí, as bochechas, a bunda, os peitos, parecem derreter quando os quilos extras desaparecem. Pelado não fica bom, não insistam. Antes que a patrulha venha recitar o mantra da autoestima e da aceitação, quero deixar claro que me refiro a minha pessoa pelada. Nos outros, fica tudo lindo. E estou com a Cher nessa. Envelhecer pode até parecer bom, mas é uma merda.

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