Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Viajar sozinho é a melhor terapia

Roteiro solitário permite avaliar o que pode ser feito de melhor ou de diferente na próxima vez

A estudante Mariana Vieira, 22 anos esperando uma conexão no aeroporto de Guarulhos - Avener Prado - 14.out.14/Folhapress

Psicanalise é cura para a maioria dos males da alma. Ela já me ajudou a encontrar a saída de buracos muito profundos, escuros e assustadores em que me perdi pela vida. Para problemas menos enraizados terapia sempre foi a solução. Já apelei para cartomante e feng shui para resolver muitos dos chiliques que descobri serem apenas chiliques na psicanálise.

Eu consultava uma taróloga que me assegurava que tudo não passava de Mercúrio retrógrado e logo esquecia de bobagens que havia transformado em dramas. Ou mudava o sofá de lugar, pendurava uma samambaia perto da janela e sentia que as dificuldades começavam a ir embora. Mas para algumas dúvidas, dores ou angústias, descobri que o único e melhor remédio era viajar.

Não que isso seja uma grande novidade. Um estudo (Framingham Heart Study) feito no começo dos anos 1990, e que ainda se mantém como referência no assunto, já mostrava a importância da sair da rotina. Os homens que não tiravam férias tinham 30% mais chances de ter ataques cardíacos. Para as mulheres o aumento era de 50%. Sem falar da quantidade de gente que se desfaz por dentro, mas continua andando por aí. Apesar de estar com o eletro em ordem e meu coração só estivesse ameaçado de morrer por amor, decidi que era hora de um sabático.

Não tinha um roteiro nada definido, nem grandes pretensões culturais, só queria  fugir para bem longe dos problemas que acreditava ter, e estava focada na meta de conhecer um pouco do mundo, remendar o peito dilacerado, tomar muita cerveja nos bares belgas, muito vinho nos parques franceses, flertar com estrangeiros charmosos e, nas horas vagas, visitar alguns museus.

Era uma época em que o euro estava tão caro quanto aqui em 2018. Ouvia que era o pior momento para viajar. Espere o dólar cair, diziam. Mas eu pagaria qualquer coisa para deixar de sofrer um pouquinho que fosse, nem que precisasse vender o carro, os móveis, juntar as economias para entrar no primeiro avião. Foi o que fiz, sem imaginar que trocava as sessões de análise por um remédio ainda mais eficiente para os tipos de dores que me afligiam.

Dói não saber quem você é, o que quer, mudar características que não te agradam, enfrentar verdades constrangedoras. Apenas nessa viagem percebi que a gente passa meses ou anos à procura de respostas dentro de uma sala fechada, deitada num divã, mas muitas vezes elas estão numa estação de trem.

Descobri que viajar sozinho tem o poder de nos colocar na companhia bastante incômoda da pessoa que a gente não está satisfeito em ser e temos que olhar em volta e para dentro porque não tem outro jeito.

Nenhum curso de gestão resolveu questões básicas como indecisão, insegurança, independência, como ter que planejar uma viagem e conviver apenas comigo na maior parte do tempo. O medo de fazer a escolha errada e, pior, ser julgado por isso, nos paralisa e nos torna um bando de bundões acomodados, dependentes do outro ou de uma corporação. Numa viagem solitária a gente se dá muitas chances de errar, de tomar decisões equivocadas, mas também de avaliar, sem o peso do julgamento alheio, o que podemos fazer de melhor ou de diferente na próxima vez.

Você aprende a abraçar ideias que sejam sandices, a pedir ajuda, a caminhar sozinho, a não ter pressa, mas a ser mais objetivo, a respeitar espaços e derrubar limites, ainda que sejam apenas os seus, a confiar de olhos fechados sem ficar desprotegido, cair, levantar, arriscar e quebrar a cara, a se decepcionar, mas a ser escandalosamente feliz. 

Ainda me lembro que numa estação de trem em Viena, diante de dois e-mails recém-chegados, tive que escolher entre encontrar um amigo na parada Gay, em Berlim, ou mudar de rumo e enfrentar 14 horas até Cinque Terre, na Itália, para rever uma paixão deixada pelo caminho. Pode parecer uma decisão simples, mas consigo fazer uma lista das lições que aprendi só nesse episódio. E ainda hoje penso nas tantas outras que teria assimilado, se tivesse tomado rumo diferente.

Cada uma das viagens que fiz sozinha me poupou meses de terapia ou ajudou que as respostas chegassem mais rápido ao me render ao divã. Uma dessas frases de botequim prega que “viajar é a única coisa que você compra que te deixa mais rico”. Para mim, sair com uma mochila nas costas pode parecer uma baita loucura, mas é a melhor terapia para não enlouquecer.

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