Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Apenas os estúpidos não mudam

Só não esperem que eu deixe de ouvir pagode e axé dos anos 1990

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Tem quem se orgulhe de não mudar o jeito de ser. Por mais obtuso, limitado, preconceituoso que seja. Pra mim, a melhor coisa na vida foi poder mudar. De jeito, de preferências, de caminhos, de atitudes, de cidades, de companhias, de amores. Mudar é o que me salvou da mediocridade, de ficar parada lá atrás, cometendo os mesmos erros, vestida com as mesmas roupas cafonas, insistindo em ideias bichadas, sobre um mundo em transformação.

Mudou o mundo, felizmente mudei também. Li em algum lugar que apenas as pessoas estúpidas não mudam de ideia. Cada vez mais acho que só tem desculpa para não mudar quem está morto.

Mulher contempla pôr do sol
Mulher contempla pôr do sol - kieferpix/Fotolia

Deixei para trás calças de cintura alta, fusô com pezinho, ombreiras, biquíni asa delta. Também abandonei pelo caminho roupas que ainda estavam na moda, mas que contavam histórias que não eram mais minhas ou que tinham o mesmo cheiro de bolor de peças esquecidas no fundo do armário.

Vestidos, perfumes, cortes de cabelo contam um tanto de quem já fomos um dia. São coadjuvantes de amor, de sexo, de plantões de trabalho, de noites que terminavam apenas ao amanhecer, presenciaram Carnavais. Mas de repente elas apertam a alma e só servem dentro de uma sacola de doação, não porque a gente precise arrancar aquelas páginas da história, mas porque nos sentimos prontos para encerrar aqueles capítulos. Porque mudamos e já não combinamos mais com aquele figurino.

Também quis muito parecer a Malu Mader, mas tudo o que consegui foi ficar a cara do Chitãozinho. Desde, então, desisti de entrar em salões de beleza com a foto de uma atriz linda, achando que o cabeleireiro faria mágica, e passei a aceitar as limitações da genética.

Fiz as pazes com meu nariz, tão odiado ao longo de décadas, que esfregava bem na minha cara a falta de delicadeza da minha personalidade. Entendi que, se ao contrário desse narigão tivesse um narizinho de Barbie, ele não teria sido tão enxerido e petulante.

Mas ao mesmo tempo em que empoderava minha nareba precisei aprender que nem sempre posso sair com ela empinada por aí e enfiá-la onde quer que eu queira. Baixa esse nariz, repeti muitas vezes, e só assim conseguir ser mais paciente, ouvir mais, falar menos, diminuir o tom de voz. Entendi que não preciso gritar para me fazer ouvir, que as palavras duras nem sempre acertam o alvo, que hoje pode esperar e que amanhã pode ser também um bom dia.

Isso não quer dizer que passei a ser fofa. Estou mais para escrotinha, a léguas de ser politicamente correta, mas sinto vergonha de pensar que não muito tempo atrás fiz piadas sem graça, disparei contra minorias, abracei tigres dopados. Sei que não vou resolver o problema do plástico no mundo, mas gosto da ilusão de que minhas ecobags e meus canudos de metal fazem alguma diferença. Ainda faço, falo e penso muitas coisas das quais não me orgulho, mas relacionar gente fresca com “coisa de viado” é um mal do qual me libertei e já faz tempo.

As atitudes e crenças que tinha ontem foram desmoronando como um castelo na areia e eu fico feliz de não ter me deixado levar por qualquer onda, mas por aquelas que fazem muita diferença no meu jeito de enxergar o mundo e de perceber o outro. Mudei de casa, de cidade, de país. Começar de novo é um jeito de derrubar preconceitos. E eles foram e continuam caindo e eu continuo mudando. Mudar rejuvenesce não só a pele, mas as ideias.

Só não esperem que eu deixe de ouvir pagode e axé dos anos 1990. E tenham boa vontade com a minha pochete de paetê, companheira inseparável de Carnaval. Eu quero ser uma pessoa melhor para o mundo, mas não tenho a menor pretensão de ser perfeita.

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