Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

O melhor de não ter filhos: ter tempo

A decisão de abrir mão da maternidade é resultado de uma longa reflexão e de opção

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Não, eu não sinto a menor culpa por ter tempo. Escolhi ter tempo. Abri mão de muitas coisas para ter tempo. E era só o que faltava agora quererem que eu me sinta culpada por ter tempo.

Decidi não ter filhos por uma série de motivos. Porque não tenho a menor vontade e, aleluia, que alívio poder gritar, não, não tenho a menor vontade de ter filhos.

Mas uma questão foi decisiva na minha escolha: eu queria ter tempo. Tempo para mim. Ahh sua egoísta. Sou. Pelo menos não ponho na conta dos filhos a falta de tempo.

Ivan - stock.adobe.com

Também abri mão da maternidade porque não quero gastar um caminhão de dinheiro com um ser humano que eu nem sei se vai dar certo, se vai gostar de mim, se será alguém decente ou começará a fazer arminha com a mão.

E mesmo se tudo desse certo, o mundo está essa bela bosta e seria muito sofrimento deixar uma criatura amada no meio de gente que acredita em mamadeira de piroca, num mundo cada vez mais careta. Quando eu morrer, acabou. Está ótimo.

Não, não quero. Mas a fatura da minha escolha volta a bater na porta a todo momento.

 
Sempre fui um tanto desligada para me dar conta das cobranças que a maioria de nós, mulheres, enfrenta. Solteira. Quando vai casar? Casada. Quando terá filhos? Filho. Quando vem o segundo? Segundo. Não vão tentar uma menina? Talvez eu não prestasse atenção ou apenas estivesse ocupada demais em fazer as coisas do meu jeito para deixar que cobrassem o que eu faria e quando faria na vida.
 

Finalmente tive coragem para admitir para mim (porque é uma decisão muito difícil) e para o mundo que não quero ser mãe. Recebi apoio, fui exaltada, reverenciada. Isso mesmo, mulher tem que ser o que quiser, ouvi por aí. Mentira. É só chegar o dia das mães para que o mundo jogue em sua cara que “não há maior amor no mundo”.

Leio essas coisas por todos os lados, de feministas, de não-feministas. Fica claro nessas ocasiões que a mulher que coloca um filho no mundo se acha especial. E deve realmente ser uma experiência transformadora. Mas não mais especial do que tantas outras, que fizeram outras escolhas, que vivem outras vidas, que têm outros grandes amores. Escolhas, vidas, amores que não cabem numa maldita régua de quem sente mais amor ou é mais feliz.

E agora essa. Segundo li dias desses, “está na “moda” não ter filho”. E vai adiante: “não dá para querer ser levado a sério como adulto sem ser responsável por outro ser humano. Pode ser filhos, mãe, pai, irmão, sobrinho, agregado, whatever.

Só quem cuida de alguém além de si é adulto. O ser humano que vive só para si é adolescente, não importa a idade que tenha. Adolescentes crescidos, cheio de incertezas e incapazes de montar um gaveteiro”. E a pérola: “quem não tem filhos pequenos não pode reclamar que não tem tempo ou que tem muita coisa para fazer”.

Não é incrível? Nunca sentirei o maior amor do mundo e não posso reclamar que a vida é corrida porque escolhi não ter filhos. Como eu disse, a fatura sempre chega. Sempre tem alguém que vai te cobrar por suas escolhas, por mais racionais que elas sejam. Se todo mundo colocasse na balança o quanto de dinheiro, tempo, dedicação, sacrifício são necessários para ter um filho, mais gente faria a mesma coisa: não teria. Mas eu é que sou adolescente.

Eu fiz isso. Pensei, pesei, ponderei. Não ter filhos é resultado de uma longa reflexão, não tem nada de inconsequente ou de modinha ou de revolucionário. É apenas uma opção. Inclusive para não passar o resto da vida reclamando que não tenho tempo porque tive filhos. E eu gosto de ter tempo. E não tenho a menor culpa de ter tempo. Tempo para maratonar séries sem ter que correr atrás de criança. Tempo para passar a noite na rua e me dar ao luxo de ter ressaca no dia seguinte. Tempo para ir à academia, aceitar convites de última hora, ver os amigos, visitar a família. Tempo para sair de casa e não pensar que preciso voltar, a não ser pelos gatos. Tempo para fazer a unha, pintar o cabelo, ler livros, tretar na internet. Tempo para fazer cocô sem ninguém batendo na porta. Tempo para tirar uma semana de folga e ficar sozinha. Tempo para não fazer absolutamente nada. Tempo para transar quando quero e não quando as crianças estão dormindo e a libido acordada. Tempo para procrastinar. Tempo para estourar meus prazos. Tempo para chegar atrasada. Tempo para ser egoísta. Tempo para ter tantos compromissos só meus e reclamar que não tenho tempo.

Tenho tempo. Tenho o maior amor do mundo em mim mesma. Tenho habilidades para montar gaveteiros. Tenho sensibilidade e colo para cuidar de familiares, de amigos, de gente que nem conheço e que me pede ajuda. Só não tenho tempo mesmo é de fiscalizar a vida alheia.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.