Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Gravidez é sempre na conta da mulher

Propósito do governo é apenas tentar enquadrar a vida sexual das adolescentes de acordo com as suas crenças

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A ministra Damares Alves quer prevenir gravidez na adolescência convencendo os jovens a começar a vida sexual mais tarde. Vocês contam ou eu conto? A abstinência não tem base cientifica, como mostram artigos dos colegas Cecília Machado e Thiago Amparo, nesta Folha

Mas não é sobre essa questão meio óbvia que eu quero falar. Damares vai ao Twitter e, para provar a sua teoria, ignora as inúmeras pesquisas feitas sobre a ineficácia desse tipo de proposta e quer provar seu ponto de vista com um estudo feito em 2005 com mil adolescentes, todas mulheres, de um colégio no Chile. Vocês percebem a pegadinha? Como sempre gravidez vai para a nossa conta. Ainda que não admitam, essas correntes que tentam resolver um problema sério como uma medida fantasiosa apenas querem dizer o seguinte: mocinhas, não transem. 

Damares, de um jeito quase fofo, diz que não “é impor condutas morais ou religiosas nessa proposta”. Como política pública? Tenta impor, sim. Defende que a educação afetiva apenas valoriza a importância dos relacionamentos emocionais saudáveis e alerta para as consequências de um ato sexual. Ora, tudo isso pode e deve ser falado, juntamente com as orientações necessárias que um adolescente precisa, se decidir que quer transar, mesmo que a dona Damares diga que ainda não é hora. 

De novo, o alvo dessa pataquada são as mulheres. A pressão para que se chegue virgem ao casamento existia até ontem, enquanto os meninos eram e ainda são levados ao puteiro com 13, 14 anos, pelo pessoal “de bem”, que considera um absurdo falar em educação sexual para adolescentes (15-19 anos). Adolescentes mulheres, claro. Damares talvez nunca tenha ouvido —o que eu duvido— que em alguns meios religiosos a virgindade é valorizada mais do que o dólar atual e as garotas chegam ao casamento com a vagina intacta, graças a uma coisa chamada sexo anal. 

Ainda que o mundo tenha mudado e essas convenções tenham felizmente perdido a força, sabemos que a sociedade como um todo se sentiria mais confortável se as mulheres restringissem sua vida sexual ao propósito de parir. Não vai rolar. Às vezes, não acredito que a revolução sexual aconteceu há sete décadas e ainda temos que eventualmente dizer, olha, desculpa, sou mulher, mas gosto de trepar. 

A questão de “valorizar as relações” e esperar o “momento certo” é importante, mas vindo desse governo sabemos que não tem nada a ver com a preocupação de proteger as meninas, por exemplo, de relacionamentos abusivos ou de violência, o que tem acontecido de certa forma por meio dos movimentos feministas. O propósito do governo é apenas tentar enquadrar a vida sexual dos adolescentes, principalmente das mulheres, de acordo com as suas crenças. 

Se você acha que é exagero, dê uma olhada nos comentários nas redes sociais sobre gravidez na adolescência, aborto, estupro, para ficar no básico. Para todos esses casos a solução das pessoas que pensam como a ministra é que basta que as mulheres fechem as pernas. Não há nunca, jamais, alguma discussão sobre quando um homem deve e pode transar e principalmente sobre sua responsabilidade nesses casos. Eu disse nunca. O problema somos sempre nós, mulheres.

Entre as minhas amigas, cada uma iniciou a vida sexual numa idade. Algumas aos 15 anos, outras aos 18 ou 19. Nenhuma engravidou. Todas, claro, tinham medo de encarar uma gestação não-planejada, mas haviam recebido informações suficientes sobre sexo para que se protegessem. O fantasma da AIDS também amedrontava muitos jovens no final dos anos 1980, o que ajudou a camisinha a se popularizar. Sim, uma realidade da bolha cheirosinha da classe média, onde os adolescentes vão continuar iniciando suas vidas sexuais quando bem entenderem, protegidos por informação e acolhidos por suas famílias. 

Enquanto isso, veremos a escalada dessa tragédia que são os números de casos de gravidez precoce nas camadas mais carentes, além do aumento dos casos de Aids, que coloca o Brasil na contramão do mundo, onde a incidência vem caindo. Sem falar de sífilis e gonorreia, de que nem ouvíamos mais falar e que voltaram a fazer parte de nossas estatísticas. 

Tudo isso porque a ministra, que deveria cuidar da mulher e da família, acha que vai resolver um problemão com discurso e textão, defendendo que o melhor a se fazer é esperar a maioridade. É melhor esperar? Eu acho que sim, mas também acho que é impossível controlar os hormônios juvenis e que antes cedo com camisinha e anticoncepcional do que em qualquer idade com gravidez e DSTs. Só faltou a ministra sugerir que as pessoas se guardem para o casamento. As mulheres, claro. 
 

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