Não é preciso ser candidata à vice-presidência dos Estados Unidos para enfrentar o festival de interrupções ao qual a democrata Kamala Harris foi submetida durante o debate com o republicano Mike Pence. "Eu estou falando" é uma frase comum no vocabulário de todas as mulheres que entenderam que precisam se defender inclusive de palavras. Vou começar a anotar todas as vezes que repito isso.

Essa situação ainda vai levar tempo para mudar, porque, diferentemente do que possa parecer, não são apenas os "homens brancos, héteros e de direita" que atravessam a fala das mulheres. Isso acontece com os progressistas, os liberais (de verdade), os que se posicionam em todo o espectro da esquerda.

Homens interrompem mulheres. Somos cortadas por maridos, amigos, colegas de trabalho, desconhecidos aparentemente corteses. Gente decente, que defende igualdade para os gêneros, não nos enxerga como menos capazes, mas ainda assim acha OK atropelar nosso pensamento. É uma mistura de resquícios de machismo, de falta de educação e da faceta alfa descontrolada.

Não fica por aí. Todos os dias aparece gente para explicar a mim e a outras mulheres que trabalham com informação o que obviamente não entendemos. Muitas vezes, a pessoa repete exatamente o que foi dito ou escrito. E dá-lhe lições que não foram pedidas. O machismo também se disfarça de gentileza.

Mais recentemente, surgiu uma nova modalidade dessas opressõezinhas diárias na vida de kamalas e marias, que parte inclusive de outras mulheres. Querem ditar os vieses que devemos dar às nossas análises, que tipo de informação é relevante ou não, os "recortes" essenciais àquele debate. Haja paciência.

Não adianta apoiar causas feministas, levantar nossas bandeiras, mas frear nosso raciocínio. Se você, homem, quer contribuir para uma sociedade igualitária, aprenda: quando uma mulher fala, espere a sua vez.