Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

A conexão silenciosa entre as mulheres

Amo ser mulher pela capacidade de estabelecer conexões sociais e emocionais sem trocar uma única palavra

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Se você é mulher, talvez já tenha experimentado um tipo de contato que talvez aconteça mais em viagens. Em qualquer lugar do mundo que você vá irá cruzar os olhos com outra mulher. Não é um olhar de julgamento ou de competição, mas de curiosidade. E quanto mais diferente a cultura mais comum esse fenômeno que acabei de batizar de "conexão silenciosa".

Passei uma semana nos Emirados Árabes, onde não apenas encontrei com emiráticas — eu nem sonhava que o gentílico é assim, mas com indianas, paquistanesas, russas, egípcias e esses laços efêmeros aconteceram o tempo todo. Nas ruas, no mercado do ouro, nas praias, que tem biquínis menores do que no Rio de Janeiro, nos centros de compra, no meio do deserto.

Duas mulheres deitadas lado a lado em um sofá em uma sacada olhando para o céu
Jess Foami por Pixabay

Numa dessas tardes em que o termômetro marcava uns 40 graus e eu tentava explorar a cidade, encontrei num centro turístico um bar mexicano, que, inshala, servia chope, um oásis no meio do deserto de um país em que a venda de bebida tem mais restrição do que canela de muçulmana. Um copo enorme, bem maior do que eu imaginava, mas do tamanho da minha sede e da vontade de tomar cerveja. Assim que dei um golão, dei de cara com dois olhos asiáticos me fitando. Ela abriu um sorriso que eu entendi como um sinal de que ela compartilhava do meu momento de prazer com a sua própria cerveja gelada.

O que ela fazia ali sozinha? Trabalho? Lazer? Era casada ou solteira? Sei lá, também tanto faz. Como foi sua infância? Como é sua vida em seu país? Antes que eu vencesse a timidez e resolvesse oferecer uma cerveja para saber mais sobre aquela estranha, ela já havia ido embora.

Cruzei com muitas mulheres muçulmanas na semana que fiquei por lá. Nossos olhos se encontraram sem que parecesse intromissão, mas um sentimento de pertencimento, quando os laços que definem nossa natureza ficam visíveis mesmo que nossa existência possa ser tão diferente. Me senti próxima ainda que venha de um mundo e de realidade tão distantes, que nossas histórias apenas tenham semelhanças pelo gênero que compartilhamos. Em todos esses encontros tão efêmeros não há questionamentos, apenas a certeza de que nossas vidas estão interligadas pelo que somos, mulheres.

Neste momento, sentada em frente ao mar caribenho do México, uma guria muito branca que abusou do sol mexicano sem protetor, sorri, ao chegar. É um sorriso que procura acolhimento. Há muitas espreguiçadeiras vagas, mas ela se senta perto. Eu já fui essa guria. Viajo sozinha há mais de 20 anos, mas sempre me senti mais confortável ao estar perto de outras mulheres em lugares desconhecidos, mesmo que não fale com elas, mesmo sem dividir experiências. É como se houvesse um pacto informal de proteção, a tal conexão silenciosa, que sempre me deu a sensação de não estar sozinha no mundo, sozinha naquele momento, naquela cidade que não conheço, naquele país onde não entendo a língua, ainda que tudo o que eu queria seja estar comigo mesma. Ela está deitada, bebe sua michelada, lê um livro grosso, mas imagino que sabe que pode contar comigo, se precisar.

Lamento que os homens não experimentem esse tipo de intimidade silenciosa sem que haja interesse envolvido. Homens não se olham com curiosidade que não seja sexual. Aliás, se privam desse contato por medo da mensagem que possam passar.

Por essas e outras, amo ser mulher. Pela capacidade de estabelecer conexões sociais e emocionais sem trocar uma única palavra. De ter relacionamentos íntimos e solidários com outras que não conhecemos, mesmo que cada uma de nós tenha a sua própria jornada.

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