É um fim de temporada emocionante. Empatados em pontos, Max Verstappen e Lewis Hamilton deixaram a decisão do título da Fórmula 1 para a última corrida do ano, o GP de Abu Dhabi, neste domingo. Hamilton pode se tornar o primeiro octacampeão mundial da história da modalidade. Os britânicos vão gostar mais dele por isso? Acredito que não.
Sem dúvidas, há reconhecimento no Reino Unido a tudo que o piloto faz pelo esporte britânico. Mas existe uma linha bem definida entre admiração e carinho. Ao ver Hamilton ser ovacionado no GP de Interlagos ao pegar a bandeira do Brasil, me questiono se os brasileiros têm mais afeição por ele.
O piloto já foi alvo de todo tipo de manchete negativa ao longo dos anos e muitas parecem implicância. Para alguns, as roupas dele são muito extravagantes. Quando combate publicamente o racismo, defende questões ambientais, alimentação vegana, corre o risco de ser julgado por se posicionar demais. Foi criticado por ter trocado o Reino Unido por Mônaco (o que outros pilotos também fizeram) e acusado de deixar o próprio sotaque "americanizado". Há inclusive quem diga que ele só ganha por causa do carro. Até vencer muito virou problema.
Em um documentário sobre a Família Real britânica exibido pela BBC, um jornalista descreveu a relação entre súditos e realeza de uma forma ao mesmo tempo engraçada e realista. Disse que os britânicos não vão criticar a Família Real enquanto seus integrantes tiverem "uma vida chata que envolva cachorros, cavalos, Escócia ou qualquer coisa que não tenhamos inveja". "Não podem parecer que estão se divertindo porque a função deles é ficar em pé na chuva e acenar." Há uma semelhança com quem espera que Hamilton apenas vença e fique quieto.
Há um ano, fiz uma reportagem para a Folha para tentar descobrir por que ele não era tão popular entre os britânicos. Fui a Stevenage, na Inglaterra, cidade natal de Hamilton. Foi onde ele começou no kart e entrou para o programa de desenvolvimento da McLaren aos 13 anos de idade. Mencionar o nome dele por lá gera um misto de orgulho e desconfiança.
Alguns o acusam de arrogância e de questionar as origens. Em 2018, ao fazer um discurso durante a premiação anual da BBC de Personalidade Esportiva do Ano, disse: "foi um sonho para nossa família fazer algo diferente, sair das favelas". No dia seguinte, pediu desculpas e falou que fez a escolha errada de palavras, mas o estrago estava feito.
Em Stevenage, a maioria é branca –88% e de classe média. Só 3,4% são negros. Para aquela reportagem, entrevistei Kehinde Andrews, professor de Black Studies da Birmingham City University. Andrews disse que se Hamilton não fosse negro, seria mais popular, e acredita que os britânicos se identificam com atletas brancos. O piloto, único negro da Fórmula 1, já falou que sofreu racismo na carreira.
Em 2019, o tabloide The Sun publicou uma entrevista em que Hamilton dizia que exibia a bandeira britânica com orgulho e que, para alguns, as vitórias dele pareciam não ser o suficiente. Será que ele ainda pensa hoje em dia sobre esse amor –ou a falta dele? Tomara que, para o piloto, os britânicos sejam como aquele crush da escola que você tenta conquistar, leva um "não" várias vezes e aí desiste, parte para a próxima e vai ser feliz. Qualquer que seja o resultado da corrida no domingo, Hamilton não precisa provar nada para ninguém.
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