Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Marina Izidro

Atletas precisam se comportar como exemplos?

Show do Red Hot Chili Peppers me fez ver que a idolatria pode dizer mais sobre nós do que sobre quem admiramos

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Nesta semana, vi demonstrações de afeto parecidas de atletas brasileiros com seus fãs. Cobri em Londres um amistoso com alguns jogadores da Premier League, entre eles Richarlison. O público era brasileiro, e, assim que a partida acabou, o atacante começou a dar autógrafos e tirar fotos com uma multidão que o cercou.

Assim continuou, pacientemente, por mais de uma hora. Dias depois, vi pela TV a tenista Beatriz Haddad Maia fazer o mesmo depois de vencer sua partida em Roland Garros. Richarlison e Bia são pessoas adoráveis e atletas admiráveis, e gestos como esses fazem refletir sobre o lugar que ocupam na vida de quem torce por eles. Atleta precisa ser exemplo? Acho que deveriam, mas há ponderações.

Richarlison costuma ser simpático com seus fãs - Jason Cairnduff - 23.jul.22/Reuters

Como competidores, músicos e atores às vezes se encaixam no mesmo nível de fama, lembrei-me de experiências pessoais. Red Hot Chili Peppers é uma das minhas bandas preferidas. Sei as músicas de cor, li a biografia do Anthony Kiedis três vezes. Até que fui a um show. Que decepção.

Houve zero interação com a plateia, e saí tão frustrada que nunca mais fui a uma apresentação deles. Anos depois, percebi que o grande erro foi idolatrá-los cegamente. Acho ruim a atitude da banda, mas, no fim, os culpados pela minha chateação não eram eles. Era eu, por esperar demais de alguém que nem conhecia.

Dias atrás, cruzei na rua com o ator que interpreta Jamie Tartt em Ted Lasso (fãs da série entenderão a empolgação). Fui falar com ele, elogiei seu trabalho e pedi uma foto. O ator, Phil Dunster, foi tão simpático que até perguntou o sabor do meu sorvete para quebrar o gelo. Saí gostando mais dele e de Ted Lasso.

Já tive todo tipo de experiência com atletas que entrevistei. Para não criticar os antipáticos, elogiarei os simpáticos. Usain Bolt e Rafael Nadal, por exemplo, têm total noção de suas grandezas. Sempre foram educados e profissionais, na vitória ou na derrota.

Atletas têm, sim, responsabilidade como pessoas públicas porque influenciam crianças e jovens. Simbolizam valores como honestidade e determinação, e acabamos esperando mais deles por isso. Ao mesmo tempo, nem todos conseguem ser exemplos para a sociedade, e tudo bem. Além disso, há muitos motivos pelos quais podem não ser agradáveis em determinado dia –foco na competição, frustração pela derrota, um momento pessoal difícil. São seres humanos, e precisamos compreender.

Por outro lado, há quem defenda que o que importa é o que se faz no campo esportivo, mesmo que o caráter seja duvidoso fora dele. Pessoalmente, acho difícil separar os dois. Agredir namoradas ou esposas, ter comportamento racista, sexista ou xenófobo me tiram o respeito por aquela pessoa, não importa quão brilhante seja sua carreira.

Charles Barkley, um dos grandes da história do basquete, mas com vida conturbada fora das quadras, incluindo prisão por dirigir sob efeito de álcool, falou em um famoso comercial: "Não sou pago para ser um exemplo, mas sim para gerar o caos em quadra. Pais devem ser exemplos. Só porque enterro uma bola de basquete, não significa que devo criar seus filhos".

Foi em 1993, e esse comercial dificilmente seria veiculado hoje em dia. Barkley me parece parte certo, parte errado. Pais devem ser exemplos, mas outras pessoas que admiramos podem ser também. É menos sobre perfeição e mais sobre intenção. E imagino que receber tanto carinho, assim como o oferecido por Bia e Richarlison, seja algo que não tem preço.

Charles Barkley não tinha a preocupação de ser um exemplo - Mike Blake - 10.nov.95/Reuters

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