Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Descrição de chapéu União Europeia terrorismo

Livro 'V13' narra feridos, enlutados e impactados pelos terroristas em Paris

Emmanuel Carrère relatou maior caso jurídico do país envolveu mais de 2.000 pessoas entre advogados, testemunhas e mais

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A noite parisiense da sexta-feira 13 de 2015 começou com um ar de festa. Umas 1.500 pessoas viamum show de rock no teatro Bataclan. Jovens batiam papo nos terraços de bares. O presidente François Hollande assistia a uma partida de futebol nos arredores da cidade.

A noite alegre acabou com 130 mortos e 413 hospitalizados, 99 deles em urgência absoluta. Foram todos metralhados ou dilacerados por bombas no maior ataque terrorista da história da França. Milhares perderam mulheres, namorados, filhas, irmãos e amigos na carnificina.

A sexta de pavor é um trauma francês e um emblema do mundo atual. Suas raízes estão tão embrenhadas, estendem-se em tantas direções, que é difícil entendê-las. Elas dizem respeito à história, à política, à religião —e à gente de sonhos e sangue que pereceu sem dó nem piedade.

A ilustração é dividida em 3 retângulos. No primeiro retângulo uma mão segura uma bomba sobre um cenário com casinhas. No  segundo retângulo uma paisagem com a torre Eiffel está pegando fogo. No terceiro  retângulo as duas paisagens estão juntas e se converteram em cinzas.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti - Bruna Barros

É possível captar verdade daquela noite, dos seus antecedentes remotos às explosões, da vida dos terroristas à morte dos inocentes? O escritor Emmanuel Carrère achou que sim. Como seus livros anteriores tinham um pé no escândalo, e outro no exibicionismo, não parecia talhado para o desafio.

O resultado está em "V13", publicado pela editora francesa P.O.L. Seu título é o da sigla do processo, Vendredi 13, que julgou os terroristas, militantes do Estado Islâmico. Ele se estendeu por nove meses numa imensa sala sem janelas no Palácio da Justiça de Paris, e terminou em junho passado.

Foi a maior caso jurídico do país. O dossiê de instrução do tribunal tinha 53 metros de altura; seu resumo, 600 páginas. Como era proibido gravar e filmar, Carrère foi a todas as sessões. Num banco incômodo, anotava tudo. De pé, fazia perguntas a quem aceitasse ser entrevistado.

Um juiz e duas assistentes conduziram o julgamento. Ele envolveu 14 acusados, 350 advogados, testemunhas, policiais, historiadores, entendidos em terrorismo e 1.800 "partes civis" (os feridos, os enlutados e os impactados pelos crimes). E François Hollande, um alvo potencial.

Carrère publicava todas as semanas duas páginas sobre o processo na revista L’Obs. Usou-as como base e as expandiu em "V13", que traz o sumário seco dos fatos, a percepção dos envolvidos e as observações —sempre pontuais e pertinentes— do escritor.

Nas mortes em massa, e nesse gênero jornalístico, quem costuma ficar em primeiro plano são os criminosos. Os abomináveis, os assassinos em série e os que metralham à queima-roupa são associados ao mistério, à mítica natureza humana, ao "Mal" com maiúscula. Mas não em "V13".

Quem se destaca no livro são os mutilados, as testemunhas do banho de sangue, as mães que perderam filhos, os que viraram deprimidos crônicos, os insones ou assaltados por pesadelos, os humilhados e ofendidos, clamem eles por vingança ou se resignem à realidade atroz.

Já os terroristas são descritos com objetividade. Eles não se viam como vítimas impotentes de agressões francesas. Consideravam-se a vanguarda do Estado Islâmico, que ocupava na época uma área no Oriente Médio equivalente à da França: o Califado do Iraque e do Levante. Na prática, não seguiam a religião pela qual se imolavam.

Eram bandidinhos que fumavam um beque, comiam no Burger King, vestiam moletons, usavam tênis de marca e curtiam, como se fossem games, vídeos do Estado Islâmico decapitando inimigos. Em Paris, suas kalashnikovs eram reais. Foi com elas que massacraram jovens como eles.

A política ficou explícita quando o presidente depôs. No Bataclan, um terrorista gritou: "Agradeçam a seu presidente, François Hollande. Se nós matamos vocês, é por culpa dele; foi ele quem começou, jogando bombas nas nossas mulheres e filhos".

Carrère resume seu argumento: se vocês massacraram nossos inocentes na nossa terra, nós massacramos seus inocentes em Paris; olho por olho, dente por dente. Hollande disse que a França fora atacada por ser o país da liberdade. Foi grandiloquente, mas disse meia-verdade.

A advogada do homem-bomba que, na última hora, não se explodiu e fugiu, provou que Hollande mandou dizimar as bases do Estado Islâmico na Síria dois dias antes do Estado Islâmico declarar guerra aos "maléficos e sujos franceses". Foi outra meia-verdade.

Porque ficou evidente que, mesmo com as datas trocadas, o Estado Islâmico atacaria Paris; assim como a França despejara bombas no califado sem ligar para o calendário.

A força das bombas, estatais ou terroristas, pode levar a vitórias. Mas elas sempre estraçalham corpos e vidas inocentes. Que o digam os mortos de Paris.

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