Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Diário da Suécia retrata natureza, propaganda eleitoral e navio de guerra

Em um verão frio, em que o sol não esquenta, cenário é convite ao olvido das bolsonarices do cotidiano brasileiro

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20 de agosto. Ingrid Bergman está bronzeadérrima numa pracinha de Fjällbacka. Também, pudera. Passou 20 férias de verão na minúscula vila de pescadores. Seu bronze não é do sol, mas do metal com que foi feito o busto que a homenageia —e não faz jus à sua beleza.

Embora seja verão, faz frio, venta, o sol não esquenta. Contudo, ilumina o casario colorido no poente. Dá para entender por que a atriz gostava tanto daqui. A penumbra, as gaivotas e a torre da igreja são um convite ao olvido das bolsonarices do cotidiano brasileiro.

Dia 22. Jantar num restaurante em Ljungskile que destila gim no porão. O drinque vem num copázio de boca larga, cheio de gelo e cascas de laranja. A especialidade da casa são mariscos azuis, que descem muito bem com gim.

No centro da imagem há um lago azul onde um homem se banha. Ao redor do lago estão dispostos de forma simétrica pinheiros e uma vegetação rasteira em tons de verde escuro.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti - Bruna Barros

Dia 24. A floresta de Tiveden fica num sonho recorrente, o com ilustrações de contos de fadas lidos na infância. A mata é de pinheiros ancestrais, amaciados pela luz transversa da tarde; o chão é tapeçaria de musgo; as laterais das trilhas são aveludadas pelo limo; o piar de pássaros realça o silêncio.

Alice, uma amiga, está em ÖsJönäs, um albergue familiar no Parque Nacional de Tiveden, onde nas férias é guia de passeios a cavalo. A família proprietária, conta ela, trabalha de sol a sol com seus funcionários e tem um nível de vida igual ao deles. Não se distingue do grosso dos suecos.

Dorme-se numa cabana feita com troncos. O banheiro comunal fica a uns 20 metros. Se der vontade de fazer um pipi no meio da noite, há risco de lobos atacarem? Não; falharam todas as tentativas de reintroduzir lobos na floresta. Ufa.

Há lagos vastos e plácidos que se cruza de canoa. Nado num deles de manhã. A água é doce, tem cheiro de terra e cor âmbar. A impressão também parece já ter sido vivida; talvez venha dos meses intrauterinos. No crepúsculo, o programa é fazer sauna à beira do lago, ao lado de uma tina de madeira na qual, sentado, a água febril cobre os ombros. Vai-se do calor seco ao líquido, e dele para o tchibum no lago gélido. Os nórdicos sabem das coisas: fazem isso há séculos.

Dia 27. Há cartazes de propaganda eleitoral em todas as cidades. Os de fundo azul são dos candidatos da direita; os de verde, dos ambientalistas; o vermelho sumiu porque a esquerda não quer ver o socialismo nem de relance. O assunto da campanha é a imigração.

A Suécia sempre acolheu refugiados, e a última leva foi de iraquianos. Agora, boa parte do eleitorado é contra receber imigrantes sírios e do norte da África. Se a extrema direita ganhar, poderá ser o começo do fim do país-símbolo da social-democracia.

Dia 29. Depois de dois anos de trabalho, ficou pronto o navio de guerra Vasa, que o rei Gustavo Adolfo mandara construir. Foi lançado ao mar em 10 de agosto de 1628. Como tinha pouco calado e mastros altos demais, o primeiro vento que enfunou as velas adernou a nau e a pôs a pique. Morreram mais de 20 e houve o proverbial "rigoroso inquérito", ao fim do qual ninguém foi punido.

Só nos anos 1950 o navio foi trazido à tona. A água frígida e alcalina do porto de Estocolmo o preservara tal e qual no dia da sua primeira e última viagem. Novo em folha, ele está no centro de um museu construído acima e à sua volta.

Lévi-Strauss disse que nossa relação com a história não se dá no tempo, e sim no espaço. Não podemos ir ao passado, mas somente a coisas (documentos, ruínas) que existem no presente. Logo, argumentou o xamã estruturalista, a história é um mito. Entretanto, o Vasa está aqui.

Exibe suas esculturas entalhadas, seus barris de pólvora e canhões de cobre, seu convés e escotilhas, a cabine dos oficiais, as espadas, as facas, as cordas, as roldanas e flâmulas. Não é uma ruína; é uma nave do século 17 que navegou do passado para o presente, aclara a Suécia de ontem e de amanhã.

Salve os mortos sem sepultura do Vasa. Honra aos que naufragaram ao longo da história sem que justiça lhes fosse feita. Glória aos vivos e aos que virão.

Dia 31. Vamos ao Grand Hotel comer smörgåsbord, o bufê de arenque, salmão, almôndegas, queijos e quitutes suecos. Toalha de linho branco, talheres de prata, copos de cristal -que, conforme o ritual, o garçom enche em sequência com aquavit, champanhe, cerveja e vinho tinto.

As doses são moderadas, mas a mescla alegra a alma, aquece o coração, solta a língua. Terei de escrever umas 30 colunas para pagar a conta. Perambulo meio às tontas pelas ruas de uma Estocolmo que reluz no lusco-fusco. Viver é bom.

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