Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mario Sergio Conti

Passeio anônimo ao acaso pelas letras britânicas

'NB by J.C'. é o título obscuro de livro engraçado sobre a vida literária britânica

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Quem ainda lembra de V. S. Naipaul? Nascido em Trinidad e Tobago, numa família indiana, foi um escritor inglês que ganhou o Nobel em 2001. Morreu aos 85 anos, em 2018. Hoje é candidato ao prêmio Autores Mais ou Menos Esquecidos.

Certa vez, um repórter do inglês The Guardian foi fazer um perfil dele. Sabendo que Naipaul tinha o pai em alta estima, preparou uma primeira pergunta esperta, para levá-lo a falar da família: "Como descreveria seu pai para alguém que encontrasse num trem?".

O escritor olhou para o jornalista, pasmo e com piedade. "Eu não falaria sobre meu pai a um estranho com quem topasse num trem", disse. Se não achou o caso engraçado, esquece. Se sim, "NB by J. C.", publicado pela Paul Dry Books, é um livro para você.

Mas saiba que ter achado graça é pouco. É preciso ter entendido o título e o subtítulo, também ele obscuro: "Um passeio pelo Times Literary Supplement". Todo mundo conhece o suplemento
pelo apelido, TLS, e no Brasil "todo mundo" são sete pessoas.

TLS é o aditivo literário do Sunday Times, a edição dominical do The Times, de Londres, ora alojado nos estábulos de Murdoch, o matusalêmico dono da Fox News, do Wall Street Journal e de outras
trocentas empresas de mídia.

O NB da capa do livro, como bem sabem aqueles sete anglófilos fossilizados, é a sigla de Nota Bene, título de coluna do TLS. Em latim significa note bem. J. C. não é Jesus Cristo, mas James Campbell, que
nem nazareno é. Escocês, foi titular da Nota Bene por 23 anos.

No centro da imagem duas pernas caminham. Ao fundo livros nascem dos canteiros e uma garrafa de champanhe é puxada por uma corda.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 26 de maio de 2023 - Bruna Barros

Só ele publica troços como a troça de Naipaul com o repórter. No livro, diz que o caso lhe foi relatado pelo próprio repórter, mas não revela seu nome. Porque foi ele o autor da pergunta tola e do bom
perfil de Naipaul no Guardian.

Favor não mandar e-mail ao Painel do Leitor elogiando este furo. É um segredo de polichinelo que o anônimo J. C. e o repórter James Campbell são a mesma pessoa. Ambos execrariam "segredo de polichinelo". No seu passeio ao acaso pelas letras britânicas, a ojeriza a clichês é constante.

Seu livro diz que uma montanha-russa cabe num parque de diversão, não no clichê "a vida é uma montanha-russa". Que barato é o produto, não o preço. Que quem usa "explodir de rir" deveria ser explodido.

"NB by J. C." aplaude Terry Eagleton por dizer que quem escreve "a vida é uma viagem" merecia ser proibido de viajar. Vaia Hemingway por falar que "não há amigo mais leal que o livro", pois o livro poderia ser trocado por um cachorro ou uma garrafa de champanhe.

Outra constante são os prêmios inventados, como o dos Autores Mais ou Menos Esquecidos. Françoise Sagan ganhou-o. Como saíram de moda as boates em Saint-Germain onde Juliette Gréco cantava letras de Sartre, a autora de "Bom Dia, Tristeza" foi junto.

Também desbotaram John Galsworthy —outro inglês que ganhou o Nobel, em 1932— e Robbe-Grillet, ponta de lança do "Nouveau Roman". Ninguém lê mais os escritores da escola, exceto Marguerite Duras e Claude Simon, que foi nobelizado em 1985.

Como "NB by J. C." implica com a superabundância de prêmios literários na Inglaterra, Sartre é patrono do Prêmio Sartre de Recusa —justamente por ter recusado o Nobel.

O livro se irrita com as láureas britânicas porque não sabe xongas da vida literária daqui. O Jabuti dá mais de 20 prêmios. Até analfabetos ganharam o cágado. Há uma categoria para romances literários e outra para de entretenimento, como se fossem a Rússia e a Ucrânia em guerra.

Biógrafo de Rimbaud, Campbell é francófilo. Em sendo assim, jura que foi Claude Simon, e não Sartre, que escreveu "um anticomunista é um cão". Ocorre que a frase, puro Sartre, está no quarto volume de
"Situations", num ensaio sobre Merleau-Ponty. "Quel papelon", diria Simone de Beauvoir.

Campbell riria da correção. Não perde o bom humor. Quando surgiram boatos de que o historiador Orlando Figes usara um pseudônimo para elogiar um livro de sua autoria, escreveu que eram fofocas implausíveis. Figes processou o TLS.

Mas dias depois o historiador disse que sua mulher redigira a tal resenha sem ele saber. Mais uns dias e admitiu que se autoelogiara. Justificou-se: entrara em depressão ao pesquisar os crimes de Stálin. "Num dia, Figes brande a espada da verdade; noutro, aponta o dedo para a mulher; e agora diz que tudo é culpa de Stálin", comentou Campbell.

O que diria ele daquele redator que mudou a lista dos mais vendidos de Veja para que um livro da sua lavra entrasse nela? Talvez lhe concedesse o Prêmio Figes de Má-Fé Palerma.

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