Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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A lírica de Kleber Mendonça Filho; a saída de Ali Kamel da direção da Globo

À la Baudelaire, cineasta aspira a 'que toda modernidade mereça um dia se tornar antiguidade'

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Kleber Mendonça Filho é o cineasta mais instigante no Brasil desses tempos. "O Som ao Redor", "Aquarius" e "Bacurau" recriam a ferocidade nacional. Põem em cena negocistas, milicianos, ianques que atiram na testa, rebeldes escalafobéticos, paisagens que fedem a sarjeta, jaca podre, urina.

Os temas conflitam com seu jeito de filmar, que dá forma a um todo perturbador. As imagens são límpidas; os cortes, construtivos; os relatos, elípticos; as músicas, ecléticas; as conclusões, negativas. Nada a ver com cinema novo ou indie, neorrealismo, novelas, denúncias, Hollywood.

Suas atrizes e atores têm um jeito de atuar e falar que destoa do ramerrame. Expõem um Pernambuco muito distante do imaginado pela inércia do centro-sul. Para completar, "Aquarius" e "Bacurau" tiraram do lodo do ostracismo uma pérola do quilate da bela Braga –ave, Sônia.

Sônia Braga em Cannes para a apresentação de 'Aquarius' - Loic Venance - 18.mai.16/AFP

"Retratos Fantasmas" toma outro rumo, o da lírica, a poética do ego. Ele lembra a melancolia de Baudelaire, o "lírico no auge do capitalismo", o que disse: "essa vida é um hospital onde cada doente é possuído pelo desejo de mudar de leito" –e todos os leitos estão ocupados.

O filme tem três partes. A primeira é uma ode do cineasta à mãe, à casa que ela reformou e, gradeada, virou um misto de bunker e cadeia. A segunda celebra os cinemas às margens do rio Capiberibe, de onde o dinheiro vazou para Boa Viagem, restando as ruínas da mocidade de Mendonça Filho.

O tom é documental nas duas partes. O diretor diz o texto prosaico de modo blasé. Ele busca que algum velho espectador rememore a mãe morta, os cinemas que frequentou e foram a pique. No caso de um paulistano: Marachá, Astor, Bijou, Marrocos, Metro, Majestic, Cosmos 70.

Não é que ficou chato ser moderno e o cineasta queira ser eterno. À la Baudelaire, ele aspira a "que toda modernidade mereça um dia se tornar antiguidade". Quer ser visto como o artista vindo de uma cidade antiga, o mago que projeta a beleza breve e fugaz do passado na vida presente.

No lado esquerdo da ilustração há um televisor antigo conectado na tomada. Da sua tela emanam cores que se ampliam gradualmente em direção ao outro extremo da ilustração.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 1°.set.2023 - Bruna Barros/Folhapress

Talvez por isso não se refira diretamente às obras a que assistiu outrora, fixando-se na gente que ia ao cinema, papeava, comentava na calçada o filme que acabara de ver. É a gente anônima e alquebrada que anda por aí, povoa ainda o centro do Recife –e não vai ao cinema.

"Retratos Fantasmas" abdica da nostalgia na terceira parte. Antes, aqui e ali, havia menções a truques mágicos da técnica cinematográfica: o cachorro morto que ressuscita e late; o semblante que surge na revelação de uma foto, como em "Blow-up", de Antonioni; letras que tremem numa marquise.

Os abracadabras se condensam numa sequência de ficção para lá de fantasiosa. Um motorista de Uber, ao saber que Mendonça Filho, o passageiro, mexe com cinema, diz-lhe que às vezes some. Quando quer, o chofer desaparece. Continua ali mesmo, só que invisível.

O cineasta afivela o cinto de segurança e segue em frente, sem mais. É uma anedota visual algo rasa que, misteriosamente, funciona que é uma maravilha. Dá até para polir Adorno e decretar: a magia da arte se liberta da mentira de ser verdade.

Seria bom ter um balanço dos anos de Ali Kamel à frente do jornalismo da Globo, o de maior audiência. Se feito com base em dados, com empenho e boa-fé, o balanço melhoraria o jornalismo como um todo –e, em decorrência, a democracia. É nesse sentido que dou um testemunho.

Em 2013, fui demitido. Telefonei a Ali Kamel e pedi emprego. Fôramos colegas décadas antes, na Veja. Depois, polemizamos acerca da cobertura da Globo na campanha das Diretas. Trocamos golpes acima da linha da cintura, mas murros podem deixar dores duradouras.

Em dez minutos, disse-me não ter verba e que voltaríamos a nos falar. Ligou meses depois, dessa vez para 15 minutos de conversa. Propôs que fizesse entrevistas ao vivo na GloboNews, cabendo a mim escolher com quem dialogaria. Topei. O primeiro foi Cesare Battisti, guerrilheiro.

Vieram Jean Wyllys, Erundina, Stédile, Malafaia, Frei Betto, Júlio Lancelotti, Jô, Eduardo Cunha, Gleisi, Gilmar Mendes, FHC, Noam Chomsky, Gil, Kataguiri, Zé Celso, Zanin, MC Guimê, Delfim, Augusto de Campos, Laerte, Ciro Gomes, Boulos, Elisabeth Roudinesco, Clara Ant.

Entre os desconhecidos levados ao grande público, a ênfase foi em intelectuais, militantes, artistas, radicais que querem mudanças já. Jamais Ali Kamel vetou alguém. Não é força de expressão: nunca. Criticou, sim, a oportunidade de umas entrevistas, mas a posteriori e profissionalmente.

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