Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mario Sergio Conti
Descrição de chapéu Rússia

Em 'Fuga da Sibéria', o jovem Trótski conta como a esquerda militava

Livro pessoal e modesto, mostra os primeiros passos de um escritor excepcional

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O político típico diz não importa o quê para assalariar gente da sua laia e encher as burras. É um cruzado em causa própria que vomita uma verborreia de paladino do bem comum. Para cada Erundina, há centenas de Janones, Liras, Pachecos, Moros e Alcolumbres.

As exceções à mediocridade dependem mais das circunstâncias que dos indivíduos. É o calor da hora que forja os políticos de truz, os que inspiram as gentes a mudar o mundo aqui e agora. Não acredita? Leia "Fuga da Sibéria", de Trótski, publicado no Brasil pela editora Ubu.

É um livro pessoal e modesto de um carinha de 26 anos que estudou matemática e não terminou a faculdade. Mostra os primeiros passos de um escritor excepcional; demonstra que a política altiva pode, de fato, reiniciar a vida sobre novos alicerces.

Em que pese a juventude, Trótski não era um novato. Passara dois anos em cana por organizar greves e protestos na Ucrânia, a província russa em que nasceu. Escapara da cadeia e gramara três anos no exílio, onde editou revistas e aprendeu francês, inglês e alemão.

Era militante em tempo integral da social-democracia russa. Esnobada pelos bem-pensantes, ela era famosa entre os socialistas europeus pelas rixas intestinas. Em 1905, houve o que ninguém previa nem queria, exceto ele e uma plêiade de radicais: a revolução do povoléu.

Da esquerda para a direita segue um trenó vermelho, com uma estrela branca e a silhueta de dois homens. O homem que está na frente levanta uma garrafa com uma mão e com a outra guia as 4 renas que estão no canto direito da ilustração. O fundo inferior da ilustração é branco e a parte superior é azul escuro.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 15 de dezembro de 2023 - Bruna Barros/Folhapress

Voltou correndo e se elegeu presidente do Conselho de Operários de São Petersburgo, o primeiro soviete da história, e editou seu jornal, Izvestia, ou notícias. Com 400 delegados, eleitos por 200 mil trabalhadores de cem fábricas, o soviete sobreviveu 50 dias, até ser fechado pela polícia.

Acusado de promover a insurreição armada, foi condenado ao desterro perpétuo no círculo polar. O título original de "Fuga da Sibéria" é "Ida e Volta". A ida é uma montagem das cartas que escreveu, em celas e trens, a Natasha, a agitadora com quem se casara em Paris.

Nessa parte, de escrita no presente, Trótski se exaspera por não saber aonde o levam. Os soldados desconhecem não só o destino como os crimes dos que escoltam. Mas simpatizam com sua rebeldia.

Um cocheiro de 13 anos exortava detidos e meganhas: "De pé, povo trabalhador!".

Os camponeses só falavam línguas autóctones. Do russo, sabiam os palavrões. Como bebiam até estrebuchar —"começam de manhã cedo e ao meio-dia já estão bêbados"—, constata que a vodca e as obscenidades são "a contribuição indiscutível da cultura estatal de russificação".

Nota modificações na malta degredada para o Ártico. Antes, os intelectuais eram maioria. Agora são os trabalhadores. A mudança tem motivação dupla: mais e mais gente se insurge contra o governo e a polícia czarista prende os contestadores em massa, mesmo se passantes apolíticos.

No Brasil, o movimento é semelhante, mas vai noutra direção. Quanto mais os governos enjaulam, maior a população carcerária e mais meliantes aderem a gangues e milícias, que por sua vez ocupam o Estado com seus comparsas —um deles afanou joias do Palácio do Planalto.

Na segunda parte de "Fuga da Sibéria", a da volta, Trótski conta como escapou do desterro siberiano. Fala não do presente incerto, mas do passado do qual se safou, dos 800 quilômetros que viajou num trenó puxado por renas. Seu piloto era Nikífor, um partidário não da revolução, mas do porre permanente.

O político se alonga na descrição da natureza: estepe, tundra e taiga. Do frio de deixar um pinguim histérico: 30°C negativos. Das "criaturas incríveis" que correm dois dias inteiros sem comer e sem cansar: as renas. Da "neve e do sol que se derramavam nos olhos como metal fundido".

Conseguiu voltar a Petersburgo e foi de novo para o exílio, dessa vez por dez anos. Ele conta em "Fuga da Sibéria" que, quando estava no xilindró, houve em Estocolmo um congresso do Partido Social-Democrata da Rússia. Foram feitas estatísticas sobre a atividade política dos que dele participaram. Somados, seus 140 delegados passaram 148 anos no cárcere. No exílio, 138 anos. Um terço da militância deles foi em prisões. Trótski conclui que vivera uma experiência política coletiva.

Ela foi sofrida. Dos seus quatro filhos, Lev Sedov e Serguei foram assassinados por agentes de Stálin, um em Paris e o outro no Gulag. Nina, casada com um trotskista detido na Sibéria, morreu à míngua, de tuberculose. Zina afundou na depressão e se suicidou em Berlim ao ser proibida de voltar à União Soviética para reencontrar o marido.

Trotski foi chacinado no México a mando de Stálin.

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