Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Descrição de chapéu União Europeia

Como a mentalidade parisiense forjou a Revolução Francesa

Em novo livro, Robert Darnton aborda a consciência coletiva nos 40 anos pré-1789

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Robert Darnton é historiador de mentalidades. Norte-americano, é um mestre na cultura cotidiana do século 18 francês. Aos 84 anos, publicou um livro, sem tradução para o português, que é o suco da sua obra: "O Temperamento Revolucionário – Paris, 1748-1789".

Por "temperamento" entenda-se espírito do tempo, opinião pública, consciência coletiva. O temperamento de uma sociedade depende mais da percepção subjetiva das pessoas acerca do que se lhes ocorre do que dos fatos objetivos propriamente ditos.

"Temperamento" é também o aquecimento e esfriamento do aço até adquirir determinada consistência. Assim, 40 anos de sensações confusas se soldaram no 14 de Julho de 1789, quando o aço temperado do povo parisiense rasgou a Bastilha, presídio e ícone do despotismo monárquico.

Havia rumores de que 500 homens estavam presos lá. Eram só sete: quatro falsários (um mofava na cela havia 32 anos), dois doidos (um pensava que era são Luiz) e um conde (acusado de incesto pela família). O marquês de Sade fora transferido dias antes dali para um hospício.

Morreram mais de cem na batalha pela Bastilha. A massa revoltada degolou no ato os gerentes da cadeia. Sanguinolentas, suas cabeças foram espetadas na ponta de lanças e carregadas pelas ruas de uma Paris de alto astral.

À noite, o duque de Liancourt, grão-mestre do guarda-roupa real, entrou no quarto de Luiz 16. Disse-lhe que começara "uma revolução" e tropas tinham aderido a ela. No dia seguinte, o rei suplicou à Assembleia Nacional: "Ajudem-me a salvar o Estado". Em vão.

Em primeiro plano há uma reprodução de um retrato de Maria Antonietta. O retrato foi modificado de forma que o busto permanece ereto e a cabeça está caindo para o lado esquerdo e o braço está derretendo. O centro do pescoço, vermelho, serve de tapete para uma outra mulher pisar. A segunda mulher está no alto da imagem, desenhada a mão, em tamanho menor, com trajes típicos pós revolução francesa. Em cada mão a mulher carrega uma luminária.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 17 de fevereiro de 2024 - Bruna Barros/Folhapress

Darnton diz que a Revolução Francesa é o evento mais estudado da história. Ela incendiou a Europa de Lisboa a Moscou, reverberou mares afora e ainda hoje entusiasma —não o Brasil, deitado eternamente em berço esplêndido e embalado pela amena cantilena que mantém o status quo.

Temperamentais, os revolucionários decapitaram o rei e a rainha; aclamaram os direitos humanos e a República; acabaram com a censura, o feudalismo e o jugo religioso; deram carne e osso à nação, à razão e ao bem comum; impuseram à bruta liberdade, igualdade e fraternidade.

O temperamento revolucionário pôs em prática uma utopia. A revolução inaugurou, literalmente, um novo tempo. No dia da Proclamação da República, a semana passou a ter dez dias; o mês, três semanas; o ano, dez meses, batizados com nomes como termidor e brumário. Em favor do francês, as línguas regionais foram abafadas.

Adotou-se o sistema decimal para medir o espaço racionalmente. As toilettes, o pó de arroz e as perucas da nobreza deram lugar à cara limpa, aos sans-culottes e ao cabelo até os ombros dos militantes. O fausto e a patifaria do Antigo Regime foram trocados pela temperança e a virtude. Os súditos eram agora cidadãos.

Montmartre passou a se chamar Mont Marat em homenagem ao herói e mártir da revolução. A praça Luiz 15 foi rebatizada para praça da Revolução, e nela Luiz 16 foi guilhotinado. A catedral de Notre Dame virou Templo da Razão depois de as terras, o clero e as próprias igrejas terem sido estatizadas.

"O Temperamento Revolucionário" mostra como o radicalismo foi forjado nas quatro décadas anteriores à tomada da Bastilha. Analisa panfletos, caricaturas, cartazes, livros, canções e cartas que circularam em Paris na época, na maioria das vezes na forma de boatos e fake news.

Foi uma época de escândalos e negociatas, de arbítrio e truculência policial, de orçamento anão e preços gigantes, da Enciclopédia Iluminista e de fofocas sobre o rei e Maria Antonieta —como demoraram oito anos para ter a primeira filha, Luiz 16 era tido por brocha; a rainha, por devassa.

Aos trancos, todavia, a mentalidade se exacerbou. Passou do frufru mundano de Voltaire para o peso pétreo de Rousseau; da pândega de Beaumarchais para a sobriedade de Mirabeau; dos dogmas da igreja para as leis da ciência; da autoridade do rei para a das ruas; da escrita para a ação.

Convocadas pelo rei para dirimir crises político-financeiras, a Assembleia dos Notáveis e os Estados Gerais foram subvertidos. Por fim, da decomposição do regime nasceu a Convenção Nacional. Eleita pelo sufrágio universal masculino, ela redigiu a libertária Constituição republicana. A revolução triunfou.

E foi logo obrigada a recuar pela contrarrevolução. A República voltou a ser império e a praça da Revolução virou da Concórdia. Ao lado, na praça Vendôme, estão o Ritz, as joalherias e as maisons de luxo que marcam a continuidade do Antigo Regime.

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