Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times inflação juros

Por que a inflação pode estar no caminho de volta

A economia mundial talvez esteja passando por uma virada semelhante àquela que aconteceu quatro décadas atrás

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Será que estamos a ponto de entrar em uma era de inflação inesperadamente alta, e não inferior à meta, como nos acostumamos a ver? Muita gente desconsidera essa possibilidade. Mas o menino que gritou “é o lobo” estava certo, da última vez. E um livro recentemente lançado insiste em que o lobo está rondando.

Uma das previsões notáveis que o livro faz é que, como resultado dos excessos fiscais e monetários atuais, “como acontece em consequência de muitas guerras, haverá uma disparada na inflação, provavelmente para mais de 5%, ou mesmo da ordem de 10%, em 2021”.

Isso mudaria tudo.A previsão vem de Charles Goodhart, um acadêmico respeitado, e Manoj Pradhan, que trabalhou para o banco Morgan Stanley. Sua profecia de calamidade inflacionária iminente na verdade é menos importante que a estrutura analítica que o livro propõe. Os autores argumentam que a economia mundial está a ponto de mudar de regime.

A última vez que isso aconteceu foi na década de 1980. As grandes mudanças ocorridas quatro décadas atrás não aconteceram principalmente pelo desejo de controlar a inflação, mas sim por conta da globalização e do ingresso da China na economia mundial.

Aquela era, eles argumentam, que envolvia baixa inflação e endividamento alto e crescente, está chegando ao fim agora. E o seu inverso não demorará a se manifestar.Nas décadas de 1980 e 1990, as economias da China, do antigo império soviético e de outros países em desenvolvimento se abriram.

Surgiu acordo quanto à Rodada Uruguai [de liberalização do comércio internacional], o que levou à criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), à qual a China foi admitida em 2001. A integração econômica internacional avançou rapidamente, especialmente via comércio, mas também via investimento direto de países de alta renda.

A oferta mundial de mão de obra para a produção de bens comerciáveis internacionalmente cresceu muito. As grandes economias comerciais registravam índices de natalidade em queda, mas populações ainda jovens, reforçadas pelo ingresso de mulheres na força de trabalho.

Assim, a força de trabalho crescia mais rápido que a população, e a produção per capita cresceu mais do que a produção por trabalhador.Tudo isso somado, argumentam Goodhart e Pradhan, causou uma queda no poder de mercado dos movimentos trabalhistas nos países de alta renda, elevou a fatia do lucro no Produto Interno Bruto (PIB), fez crescer as desigualdades internas, fez cair a desigualdade internacional, e também gerou um “excedente de poupança”, pressões inflacionárias baixas e queda nas taxas reais de juros.

O endividamento disparou.Agora, eles argumentam, tudo isso está invertendo o curso. A globalização está sob ataque e nenhuma outra economia é capaz de reproduzir aquilo que a China fez. O envelhecimento reduz o crescimento da força de trabalho e exacerba as pressões fiscais. E o mais importante, eles afirmam, é que à medida que o número de consumidores cresce em relação ao de produtores, a pressão inflacionária deve subir.

Além disso, com o encolhimento da força de trabalho e o enfraquecimento da globalização, o poder de mercado do sindicalismo ressurgirá, o que vai agravar as pressões inflacionárias.Essas viradas, eles acrescentam, criam grandes dilemas em termos de políticas públicas, especialmente se considerarmos os balanços dos governos e das empresas não financeiras em longo prazo.

Se a relação entre desemprego e inflação mudar de maneira tão adversa quanto os autores indicam, será que os bancos centrais apertarão a política monetária tanto quanto seria necessário para conter a inflação? Como as autoridades lidariam com a onda de quebras de empresas resultante? Como os governos retomariam o controle dos déficits em um mundo com crescimento estruturalmente baixo (em parte devido ao envelhecimento das populações), taxas de juros mais altas e pressão por aumento dos gastos?

Se não o fizerem, os bancos centrais vão continuar imprimindo dinheiro ou permitirão insolvência nacional? Em resumo, será que estamos condenados a uma repetição da década de 1970, mas em circunstâncias ainda piores?Os autores estão corretos ao argumentar que a economia mundial está passando por grandes viradas estruturais.

O envelhecimento das populações e a perda de empuxo da globalização na produção de bens já estão bem encaminhados. Além disso, esse processo inclui a China. A combinação resultante transformará nossas economias.

No entanto, é igualmente vital recordar quão pouco sabemos sobre a maneira pela qual essas viradas ocorrerão no mundo real. E se estivéssemos cientes, em 1980, de que a China estava a ponto de abrir sua economia para o mundo e lançar o maior boom de investimento da história, que culminaria em um índice de investimento equivalente a 50% de seu PIB?

Quantas pessoas teriam previsto que a situação macroeconômica dali a algumas décadas seria de excesso de poupança, taxas reais de juros baixas, políticas monetárias muito frouxas e endividamento pesado? A maior parte das pessoas decerto presumiria que a China, em disparada, importaria poupança de outros países em escala maciça e assim elevaria as taxas de juros reais, e exportaria demanda líquida, em lugar disso.

Goodhart e Pradhan também podem estar certos quanto ao fato de que, no admirável mundo novo que preveem, o desejo de poupar tenderá a cair com mais rapidez que o de investir, o excedente de poupança se converterá em escassez e as taxas reais de juros dispararão. Mas a diferença entre poupança desejada e investimento é estreita.

É bem possível, por exemplo, que com o crescimento econômico lento e o declínio continuado nos preços relativos dos bens de capital, os lucros retidos pelas empresas continuem a exceder o investimento, nas economias de alta renda.

O setor empresarial chinês pode seguir o mesmo modelo. Caso isso aconteça, a demanda pode continuar fraca e as taxas de juros reais, baixas, por muito tempo, reforçadas pelo pesado endividamento do setor privado em todas essas economias.Não está claro nem mesmo que a globalização tenha sido o principal propulsor histórico de mudança no mercado de trabalho.

Ela foi apenas um elemento em um conjunto de transformações - novas tecnologias, o modelo de governança empresarial que prega maximização do valor para os acionistas, o papel crescente do setor financeiro e o poder monopolista cada vez mais forte.

Dúvidas sobre essas teses são justificadas. Mas extrapolar o presente para o futuro também é perigoso. Em 1965, pouca gente imaginaria que o keynesianismo do pós-guerra estava para morrer. O mundo do “mais baixo por mais tempo” também pode desaparecer. Há grandes mudanças em curso. Precisamos pensar rigorosamente sobre as maneiras pelas quais nosso futuro pode diferir de nosso passado.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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