Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Economias podem sobreviver à quebra das Bolsas

Se uma correção for causada por juros mais altos e crescimento mais forte, não importaria muito, exceto para os investidores

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"O longo, muito longo, ciclo de altas do mercado de ações desde 2009 finalmente amadureceu em uma bolha épica. Apresentando extrema supervalorização, aumentos de preços explosivos, emissões frenéticas e comportamento de investidores histericamente especulativo, acredito que esse evento será registrado como uma das grandes bolhas da história financeira, juntamente com a bolha da Mares do Sul, 1929 e 2000."

Assim o legendário investidor Jeremy Grantham, cofundador da gestora de capitais GMO, recebeu o ano novo. Estaria ele certo, e, caso estivesse, que importância teria isso para o mundo?

"Charging bull", o touro símbolo de Wall Street, distrito financeiro de Nova York - Carlo Allegri/Reuters

Podemos de fato, como disse Grantham ao Financial Times, observar sintomas clássicos de mania: o aumento de corretores amadores, o interesse exagerado por empresas antes obscuras, preços disparados de ativos especulativos como bitcoin e empresas quentes como Tesla e a emergência de companhias de aquisição com propósito específico, ou Spacs na sigla em inglês.

São veículos para a aquisição de empresas não listadas em Bolsa, e portanto um modo de contornar as regras das ofertas públicas iniciais. São versões modernas em escala vastamente maior da companhia supostamente criada na bolha da Mares do Sul, no início do século 18, "para realizar um empreendimento de grande vantagem, mas ninguém sabe o que é". Essa bolha acabou muito mal. Desta vez será diferente?

Os excessos de hoje podem ser captados na proporção ajustada ciclicamente de preços/lucros, inventada pelo prêmio Nobel Robert Shiller. Esse índice está hoje em picos só vistos antes no final dos anos 1920 e final dos 1990. No entanto, como comentei em dezembro de 2020 e Shiller havia feito antes, isso pode se justificar pelas taxas de juros nominais e reais ultrabaixas.

Então o mercado deve estar vulnerável a um aumento acentuado nas taxas de juros. Mas esse aumento é plausível? Sim: o recente pequeno aumento dos rendimentos em títulos do governo de longo prazo poderá ir além.

Como afirma a OCDE em sua Previsão Econômica Interina: "As perspectivas econômicas globais melhoraram notadamente nos últimos meses, ajudadas pela gradual mobilização de vacinas eficazes, anúncios de apoio fiscal adicional em alguns países e sinais de que as economias estão enfrentando melhor as medidas para suprimir o vírus". É uma boa notícia. Mas se, em consequência, a política monetária endurecer mais cedo e os rendimentos aumentarem mais do que se esperava geralmente, a boa notícia poderá ser ruim para os mercados.

Mas, mesmo que uma correção do mercado prejudique os investidores, isso teria tanta importância para a economia como um todo? Como afirmou o falecido Paul Samuelson, "o mercado de ações previu nove das últimas cinco recessões". As correções de mercado implicam ainda menos depressões econômicas. Uma quebra da Bolsa somente devastaria a economia se os formuladores de políticas o permitissem --como depois da quebra de 1929. Os resultados então foram tão terríveis porque a reação dos formuladores foi tão irracional.

Há duas maneiras como uma grande correção da Bolsa do tipo que Grantham espera poderia estar ligada a uma crise econômica significativa.

A primeira é se ela for um choque suficientemente grande para causar uma fusão econômica. Isso é muito improvável: os efeitos para a riqueza da queda das Bolsas sobre gastos são reais, mas modestos.

A segunda é se a quebra fizer parte de um surto inflacionário do tipo visto nos anos 1970, ou de uma crise financeira desencadeada por ondas de falência e o fracasso das instituições financeiras, como ocorreu nos anos 1930 e ameaçou ocorrer em 2008. Nada disso pode ser descartado totalmente.

A recuperação econômica da Covid-19 pode se mostrar muito mais forte, e as consequências para a inflação de preços e salários mais poderosas, do que prevê a sabedoria convencional. Esse é um risco maior hoje do que depois da crise financeira de 2008. Mas ainda é modesto.

Testes de estresse de bancos centrais e do FMI sobre instituições financeiras chaves indicam que elas estão robustas. Mas há outros possíveis canais de desordem financeira.

Um deles são os altos riscos de endividamento em setores corporativos não financeiros em países de alta renda; outro é a exposição de mutuários fora dos Estados Unidos a choques a financiamentos em dólares. A combinação de um enorme afrouxamento fiscal nos EUA com endurecimento monetário maior que o esperado poderia desestabilizar economias emergentes. Isso já aconteceu, notadamente na crise da dívida dos anos 1980.

Em suma, uma correção das Bolsas é possível quando a Covid-19 for controlada, as economias se normalizarem e as taxas de juros subirem. Mas por si só isto não é algo para se preocupar muito, especialmente porque os efeitos de uma economia mais forte que o esperado versus taxas de juros mais altas que o esperado devem se compensar.

Muito mais grave seria uma crise de dívida que prejudicasse instituições chaves, congelasse os mercados e criasse falências em massa. Felizmente, isso parece refreável, dadas as ferramentas disponíveis para os fazedores de políticas. Ainda assim, inflação e taxas de juros inesperadamente altas poderiam desestabilizar de modo significativo a economia mundial durante algum tempo.

Em longo prazo, a economia mundial seria menos frágil se os gastos dependessem menos de políticas monetárias agressivas e enormes acúmulos de dívida privada. Existem três meios óbvios de se alcançar tal redução da fragilidade: melhores incentivos para investimentos privados; níveis altos e sustentados de investimento público produtivo; e maior redistribuição da renda de poupadores de alta renda para gastadores de baixa renda.

O que devemos desejar é uma economia mundial em que Grantham possa estar certo sobre as perspectivas de uma quebra da Bolsa –mas isso não importe realmente. Também devemos querer uma economia mundial em que as taxas de juros nominais e reais possam aumentar acentuadamente, conforme as economias se reforçam e a inflação aumenta, mas tudo isso dá muito certo. Este pode até ser o mundo em que vivemos. Os próximos anos nos mostrarão se é mesmo.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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