Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Fed deve agir agora para afastar a ameaça de estagflação

Sabemos desde a década de 1970 que o momento de estrangular um surto inflacionário é o início

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Haverá uma recessão nos Estados Unidos e em outras grandes economias? A pergunta surgiu naturalmente entre os participantes da reunião do Fórum Econômico Mundial este ano em Davos, na Suíça. No entanto, essa é a pergunta errada, pelo menos para os Estados Unidos. A correta é se estamos entrando numa nova era de inflação mais alta e crescimento fraco, semelhante à estagflação da década de 1970. Em caso positivo, o que isso pode significar?

As semelhanças são evidentes entre o atual aumento "surpresa" da inflação para níveis não vistos em quatro décadas e aquela época anterior, quando a inflação também surpreendeu quase todo mundo, exceto os monetaristas. Aquela era também foi caracterizada pela guerra –a do Yom Kippur em 1973 e a invasão do Irã pelo Iraque em 1980. Essas guerras também provocaram saltos nos preços do petróleo, o que espremeu a renda real. Os Estados Unidos e outras economias de alta renda experimentaram quase uma década de inflação alta, crescimento instável e mercados de ações fracos. Isso foi seguido por uma forte desinflação sob Paul Volcker, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), e a mudança de Reagan-Thatcher para o livre mercado.

Neste momento, poucos esperam algo semelhante. Mas há um ano poucos esperavam o atual aumento da inflação. Agora, assim como na década de 1970, a alta da inflação é atribuída a choques de oferta causados por acontecimentos imprevistos. Então, como hoje, isso fazia parte do quadro. Mas o excesso de demanda faz que os choques de oferta se transformem em inflação sustentada, à medida que as pessoas lutam para manter sua renda real e os bancos centrais procuram sustentar a demanda real. Isso leva à estagflação, pois as pessoas perdem a fé na inflação estável e baixa e os bancos centrais não têm a coragem necessária para restaurá-la.

O prédio do Fed (banco central americano), em Washington, DC - Jim Watson - 4.mai.2022/AFP

Atualmente, os mercados não esperam tal resultado. Sim, houve um declínio no mercado de ações dos EUA. No entanto, pelos padrões históricos, ainda está muito caro: a relação preço/lucro ajustada ciclicamente de Robert Shiller, de Yale, ainda está em níveis superados apenas em 1929 e no final da década de 1990. No máximo, trata-se de uma leve correção de excessos, de que o mercado de ações precisava. Os mercados preveem que as taxas de juros de curto prazo fiquem abaixo de 3%. As expectativas de inflação, mostradas pela diferença entre o rendimento dos títulos convencionais e dos indexados, caíram um pouco recentemente, para 2,6%.

De modo geral, o Fed deve estar satisfeito. Os movimentos nos mercados indicam que sua visão do futuro –uma pequena desaceleração desencadeada por um pequeno aperto que levam a uma rápida desinflação em direção à meta– é amplamente aprovada. Apenas dois meses atrás, as previsões medianas dos membros do conselho do Federal Reserve e dos presidentes regionais para 2023 eram de crescimento do Produto Interno Bruto em 2,2%, inflação básica em 2,6%, desemprego em 3,5% e taxa de fundos federais em 2,8%.

Esta é de fato uma desinflação imaculada, mas provavelmente nada disso ocorrerá. A oferta nos EUA é limitada sobretudo pelo excesso de emprego, como observei há apenas duas semanas. Enquanto isso, a demanda nominal vem se expandindo em ritmo tórrido. A média de dois anos de crescimento da demanda nominal (que inclui o ano de 2020, atingido pela Covid-19) foi superior a 6%. Até o primeiro trimestre de 2022, a demanda nominal anual cresceu mais de 12%.

O aumento da demanda doméstica nominal é aritmeticamente o produto do aumento da demanda por bens e serviços reais e o aumento de seus preços. Causalmente, se a demanda nominal se expande muito mais rápido do que a produção real pode acompanhá-la, a inflação é inevitável. No caso de uma economia tão grande como a dos EUA, o aumento da demanda nominal também afetará os preços dos suprimentos do exterior. O fato de que os formuladores de políticas em outros países seguiram políticas semelhantes reforçará isso. Sim, a recessão induzida pela Covid criou um recuo significativo, mas não nessa medida. O choque de oferta negativa da Guerra da Ucrânia agravou tudo.

No entanto, não podemos esperar que esse rápido crescimento da demanda nominal diminua para cerca de 4%, que é compatível com o crescimento econômico potencial e a inflação em cerca de 2% ao ano, cada um. O crescimento da demanda nominal é amplamente superior às taxas de juros. De fato, não só atingiu taxas não vistas desde a década de 1970, como a diferença entre ela e a taxa de juros de dez anos é muito maior do que então.

Por que as pessoas que veem suas rendas nominais crescerem nesse ritmo teriam medo de contrair grandes empréstimos com baixas taxas de juros, principalmente quando muitas têm balanços fortalecidos pelo apoio da era Covid? Não é muito mais provável que o crescimento do crédito e, portanto, a demanda nominal continuem fortes? Considere o seguinte: mesmo que o crescimento anual da demanda nominal caísse para 6%, isso implicaria em 4% de inflação, não em 2%.

A combinação de políticas fiscais e monetárias implementadas em 2020 e 2021 acendeu uma fogueira inflacionária. A noção de que essas chamas se apagarão com um movimento modesto nas taxas de juros e sem aumento do desemprego é otimista demais. Suponha, então, que essa perspectiva sombria esteja correta. Então a inflação cairá, mas talvez apenas para 4% ou mais. A inflação mais alta se tornaria um novo normal. O Fed precisaria então agir novamente ou teria que abandonar sua meta, desestabilizando as expectativas e perdendo credibilidade. Este seria um ciclo de estagflação –resultado da interação de choques com erros cometidos por formuladores de políticas fiscais e monetárias.

As ramificações políticas são perturbadoras, especialmente devido a uma vasta oferta de populistas loucos. No entanto, as conclusões políticas também são claras. Se a década de 1970 nos ensinou alguma coisa, é que a hora de conter uma alta inflacionária é em seu início, quando as expectativas ainda estão do lado dos formuladores de políticas. O Fed precisa reiterar que está determinado a reduzir o crescimento da demanda em ritmo consistente com o crescimento potencial dos EUA e a meta de inflação. Além disso, não basta falar. Ele também precisa fazer.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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