Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Descrição de chapéu juros

Será que o Fed causará uma recessão nos EUA?

Dependendo da desaceleração causada pelos juros, emergentes poderão sofrer

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Nos últimos meses, assistimos a uma forte reprecificação da curva de juros norte-americana. O movimento resulta da inflação alta e persistente, do mercado de trabalho aquecido e de sinais consecutivos do Fed sugerindo que o aperto da política monetária será mais rápido do que se previa.

Assim como ocorreu nos episódios mais recentes de subida de juros, paira o receio de suas consequências. Pela primeira vez desde agosto de 2019, a "inversão" da curva de juros, com os rendimentos de longo prazo abaixo daqueles de curto prazo, acendeu a discussão sobre a possibilidade de o Fed causar uma recessão.

Inversões da curva de juros normalmente sinalizam pessimismo com as perspectivas de crescimento da economia e precederam quase todas as recessões dos EUA nos últimos 50 anos. Quando investidores temem uma desaceleração econômica, tendem também a esperar que o Fed reduza a taxa básica no futuro, causando o movimento de inversão.

Fachada do Fed, em Washington - Saul Loeb/AFP

Tipicamente, a recessão acontece dois anos após a inversão entre os prazos de dois e dez anos. Na semana passada, os juros de dois anos subiram até 2,45% (o maior nível desde março de 2019), enquanto os juros de dez anos caíram para 2,38%. Já a diferença entre os rendimentos de cinco e 30 anos —outra medida bastante monitorada— ficou invertida pela primeira vez desde 2006.

A expectativa de que os altos juros de curto prazo sejam um risco para o cenário econômico mais à frente tem motivo. O ponto de partida do Fed é desafiador: a inflação está muito acima da meta de 2%, com CPI (índice ao consumidor) em 7,9%, enquanto o desemprego está em 3,6% —o menor patamar dos últimos anos. A inflação é não só alta como bastante disseminada. O desemprego baixo tem levado os salários a subir perto de 6% nos últimos 12 meses, elevando a chance de estarmos diante de uma espiral de preços e salários nos EUA. Tudo indica que a extrema "paciência" do Fed neste ciclo pode forçá-lo a pisar forte no freio.

Em artigo recente no NBER, Summers e Domash ("How Tight Are U.S. Labor Markets?") comparam indicadores alternativos do mercado de trabalho com preditores da inflação salarial e concluem que o grau de aperto atual pode ser comparado a momentos nos quais a taxa de desemprego ficou abaixo de 2%.

Não é à toa que, na ata da mais recente reunião do Fed, divulgada nesta quarta (6), o comitê manifestou "forte empenho e determinação em tomar as medidas necessárias para restabelecer a estabilidade de preços", anunciando que o começo da redução de seu balanço se dará em um ritmo duas vezes mais intenso do que o observado em 2017. Segundo seus membros, o momento é apropriado para sair rapidamente da postura da política monetária acomodatícia e, dependendo da evolução econômica, pode justificar-se uma orientação mais restritiva.

O presidente do Fed, Jerome Powell, tem tentado transmitir a mensagem de que um pouso suave da economia é mais provável. Em sua conferência mais recente, citou três exemplos históricos —os ciclos de aperto de 1964, 1984 e 1993— como evidências de que a instituição pode desacelerar o crescimento e reduzir a inflação sem precipitar uma recessão. No entanto, em nenhum desses episódios o mercado de trabalho estava em uma situação parecida com a de agora. Em 1964, a taxa de desemprego estava em 5,1%, em 1984, em 7,8%, e, no começo do ciclo de 1993, em 6,5%.

Na mesma linha, em um estudo ("Don’t Fear The Yield Curve, Reprise") recentemente publicado pelo Fed, Engstrom e Sharpe apresentam estatísticas de que a inversão da curva de 2-10 anos é provavelmente espúria.

De fato, os spreads mais longos são impactados por outros fatores, como os prêmios de risco dos títulos de longo prazo. A inversão da curva mais longa pode não ser um indicador de recessão tão confiável desta vez, devido às compras maciças de títulos pelo Fed durante a pandemia, que distorceram a curva de juros.

Se uma recessão poderá ser evitada, não sabemos; mas, dependendo da desaceleração da atividade econômica nos EUA gerada pelo aperto dos juros, podemos ter consequências relevantes sobre o apetite por risco dos investidores e sobre o crescimento global.

Se, até o momento, países emergentes têm se beneficiado da liquidez internacional, dos elevados preços de commodities e do fato de estarem adiantados em seus ciclos de aperto monetário, esse quadro mudará se ficar claro que os juros norte-americanos serão substancialmente maiores.

​Em se tratando do Brasil, a apreciação do câmbio, que é capaz de favorecer a queda da nossa inflação e da Selic, seria revertida em um ambiente de maior aversão global ao risco.

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