Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times juros inflação

Como pensar políticas em uma policrise

Em nosso mundo interativo, não podemos mais colocar os problemas em silos intelectuais convenientes

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Bem-vindo à "policrise" –um mundo em que, como diz o historiador Adam Tooze, "choques econômicos e não econômicos" estão enredados "até o fim". Temos um choque inflacionário que emana das perturbações causadas por uma pandemia, das respostas políticas a essa pandemia e de um choque energético causado por uma guerra.

Essa guerra, por sua vez, está relacionada à ruptura de relações entre grandes potências. Crescimento lento, aumento da desigualdade e dependência excessiva de crédito minaram a estabilidade política em muitas democracias de alta renda. O excesso de crédito levou a uma grande crise financeira cujo resultado incluiu uma década de taxas de juros ultrabaixas e, portanto, ainda mais fragilidade financeira em todo o mundo. Somando-se a essas tensões está a ameaça das mudanças climáticas.

Na verdade, é conveniente pensar o mundo em silos intelectuais, concentrando-se sucessivamente na macroeconomia, nas finanças, na política, na mudança social, na política, nas doenças e no meio ambiente, excluindo os demais. Em um mundo razoavelmente estável, isso pode até funcionar. A alternativa de pensar nas interações entre esses aspectos da experiência também é muito difícil. Mas às vezes, como agora, torna-se inevitável.

Não é apenas teoricamente verdadeiro que tudo depende de tudo o mais. É uma verdade que não podemos mais ignorar na prática. Como minha colega Gillian Tett costuma alertar, os silos são perigosos. Temos que pensar sistemicamente. Os economistas precisam reconhecer que a economia está interconectada com outras forças. Navegar nas tempestades atuais nos obriga a desenvolver uma compreensão mais ampla.

Este não é um argumento contra a análise detalhada dos elementos individuais da imagem. Os economistas ainda devem examinar cuidadosamente as coisas que conhecem, porque são complexas e importantes em si mesmas. Assim, os dados e a análise do último Panorama Econômico Mundial da OCDE continuam sendo inestimáveis e esclarecedores. Mas, inevitavelmente, também omitem aspectos vitais.

Considere, então, o que o relatório nos diz sobre a situação econômica.

Primeiro, a crise energética em si é realmente enorme. A parcela do PIB dos membros da OCDE gasta no uso final de energia está próxima de 18%, o dobro do que era em 2020. Na Europa, os aumentos devem ser muito maiores. A última vez que a proporção foi tão alta foi no início dos anos 1980, durante o choque do petróleo causado pela invasão do Irã por Saddam Hussein.

Em segundo lugar, as pressões inflacionárias são fortes e generalizadas. Mais uma vez, isso tem ecos da inflação do início dos anos 1980, que se seguiu à inflação alta e variável dos anos 1970. Hoje, o choque do preço da energia causado pela guerra na Ucrânia se seguiu aos choques negativos na oferta e positivos na demanda desencadeados pela Covid. Essa combinação de choques de oferta e demanda com grandes reduções nos salários reais e perdas na renda nacional em países importadores líquidos de energia torna o trabalho dos bancos centrais extremamente difícil.

Em terceiro lugar, é provável que haja uma desaceleração acentuada no crescimento econômico global entre 2022 e 2023. Esta última está prevista em 2,2%. Além disso, a maior parte desse crescimento será gerada pelas economias asiáticas. As economias britânica e alemã devem encolher um pouco, enquanto as da zona do euro e dos Estados Unidos devem crescer apenas 0,5%.

Quarto, embora este seja, sem surpresa, um quadro triste, poderia ser muito pior. As próprias perspectivas energéticas são altamente incertas, com um risco substancial de que as reservas de gás na Europa sejam menores no próximo inverno do que neste, especialmente se os invernos forem frios ou as importações de gás natural liquefeito, muito pequenas. O aumento das taxas de juros pode desencadear mais turbulências financeiras e recessões mais profundas do que o previsto. A escassez de alimentos pode causar problemas maiores nos países em desenvolvimento do que o esperado, especialmente em um ambiente financeiramente restritivo.

A opinião da OCDE, que eu compartilho, é que os bancos centrais não devem assumir um pico de inflação como sinal de que seu trabalho está feito. É essencial que a inflação seja firmemente controlada. Nesse contexto, também é vital que a política fiscal seja direcionada para apoiar os mais afetados pelos altos preços da energia. Igualmente importante é impulsionar a expansão da oferta de energia renovável e melhorar a eficiência energética. Essa é a "frente doméstica" no conflito da Europa com a Rússia.

No entanto, mesmo este é um quadro incompleto. Outros elementos são os possíveis desenvolvimentos na guerra da Ucrânia e o que é necessário para levá-la a um fim satisfatório. Outro é como a China escapará da armadilha de sua política de Covid zero. Por último, mas não menos importante, é encontrar maneiras de ajudar os países em desenvolvimento em seus problemas financeiros iminentes, apoiando sua transição climática.

A questão é que precisamos analisar dentro dos silos, ao mesmo tempo em que analisamos sistemicamente entre eles. A OCDE, para seu crédito, criou em 2012 com essa finalidade uma unidade chamada Novas Abordagens aos Desafios Econômicos (Naec). Como nota o último e aparentemente final relatório dessa unidade, temos que analisar as interações entre os desenvolvimentos sociais, econômicos, políticos, geopolíticos, de saúde e ambientais para abordar os desafios que enfrentamos. A humanidade criou um mundo tão interdependente que nenhuma outra abordagem é possível. Claro, isso é difícil. Tende a irritar especialistas profissionais que trabalham confortavelmente em seus silos. Mas desde a crise financeira, e especialmente nos últimos três anos, ficou claro que tal estreiteza é uma tolice. É estar precisamente errado em vez de ousar estar aproximadamente certo.

Então, o que a OCDE fez com essa empreitada? Alguns dizem que está fechando. Seria um erro. Se o Naec não for bom o suficiente, melhore-o. O mundo que conhecemos hoje não se divide em silos organizados. Nosso pensamento também não deve permanecer preso dentro deles.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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