Com guerra e outros choques, pandemia perde destaque na agenda econômica mundial

Segundo FMI, prioridades são controlar inflação e melhorar política fiscal após gastos com crise sanitária

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Howard Schneider
Washington | Reuters

As dezenas de itens da agenda pública das reuniões anuais do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional), nesta semana, incluem várias sessões sobre mudanças climáticas, segurança alimentar e outros problemas mundiais crônicos, algumas sobre inflação e comércio e também atenção para inclusão econômica e moedas digitais.

Relativamente ausente, a pandemia de Covid-19, uma crise única no século que matou cerca de 6,5 milhões de pessoas desde o final de 2019 e destacou amplas fraquezas na forma como a economia global está organizada, será abordada diretamente em um único painel sobre prontidão e outros dois sobre questões relacionadas à recuperação econômica.

Trabalhadores em trajes protetores fazem teste em pessoas em vilarejo na província de Sichuan, China - Via Reuters

Com o mundo fraturado pela Guerra da Ucrânia, choques nos preços das commodities, possível recessão, estresse no mercado financeiro e um movimento em direção à desglobalização, a persistente crise de saúde que provocou ou acelerou muitos desses problemas –e manteve as instituições internacionais reunidas virtualmente até pouco tempo atrás– agora passou para o segundo plano.

A pandemia "ainda não saiu de cena", disse a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, em comentários na semana passada que prepararam o campo para as reuniões desta semana. Mas ela disse que as prioridades atuais das autoridades econômicas globais são controlar a inflação, melhorar a política fiscal após gastos maciços no início da pandemia e encontrar maneiras de proteger os países em desenvolvimento contra o aumento global das taxas de juros.

"É totalmente surpreendente" que um evento de saúde que continua pesando na economia global tenha descido na lista de prioridades tão rapidamente, disse Robin Brooks, diretor administrativo e economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais. "O mundo pode ser completamente diferente... Como recuperamos o crescimento? Como construímos espaço fiscal, já que usamos tanto" no combate ao choque inicial da pandemia?

'Mundo espelho'

O grupo de autoridades globais que se reúne nesta semana em Washington se encontrará pessoalmente pela primeira vez desde o início da pandemia, e está entrando num caldeirão de talvez meia dúzia ou mais de problemas agudos –além de desafios fundamentais como as mudanças climáticas.

A Rússia, grande produtor de commodities, está em verdadeira posição de pária por causa da invasão da Ucrânia; a Europa enfrenta a perspectiva de recessão devido a riscos em parte relacionados à guerra; a economia da China está vacilando sob suas políticas ainda rígidas de Covid zero; uma crise de energia no inverno possivelmente está próxima; tensões de liquidez surgiram nos mercados financeiros; a inflação parece persistente; a resposta do banco central dos EUA ao aumento dos preços prejudicou os mercados financeiros.

Nesse contexto, a pandemia pode parecer menos urgente. Embora os casos estejam aumentando novamente na Europa e haja sempre a preocupação de outra mutação, as mortes diárias atribuídas ao coronavírus estavam em média pouco acima de 1.400 na semana que terminou em 9 de outubro, cerca de um décimo da registrada no auge da crise, segundo dados compilados pelo Centro de Recursos do Coronavírus da Universidade Johns Hopkins.

No entanto, continua sendo um dos principais fatores que influenciam os resultados econômicos globais no momento, desde o impacto duradouro das políticas rígidas da China para impedir a propagação do vírus até o choque crônico nos mercados de trabalho.

Países como o Japão ainda estão lutando com restrições e apenas recentemente suspenderam os limites para viajantes estrangeiros, enquanto as empresas lutam para entender como os mercados, consumidores e trabalhadores mudaram de desejos e o que estão dispostos a pagar –ou serem pagos– por eles.

Os economistas permanecem nos estágios iniciais de compreender como os acontecimentos dos últimos dois anos modificaram o mundo, e –embora alguns desconsiderem o risco de uma ampla "mudança de regime"– certos efeitos da pandemia parecem cada vez mais permanentes.

No Reino Unido e nos Estados Unidos, persistem lacunas de emprego. A recuperação do emprego em setores dos EUA, como educação e creches, por exemplo, permanece atrofiada, fato que pode afetar o funcionamento do restante da força de trabalho, devido ao impacto dessas partes da economia nas famílias.

Estudos começaram a documentar um golpe potencialmente permanente da pandemia na oferta de mão de obra. Uma análise recente concluiu que as infecções em curso estão mantendo cerca de 500 mil pessoas desempregadas nos Estados Unidos; uma pesquisa recente do Censo sobre a "Covid longa" calculou que 8,5 milhões de pessoas que estão empregadas apresentaram sintomas que duraram pelo menos três meses e reduziram sua capacidade de realizar atividades cotidianas.

No Reino Unido, a doença prolongada afastou mais de 377 mil pessoas desde o início da pandemia, cerca de 1% da força de trabalho.

Pode ser apenas o começo da compreensão do que a pandemia significou e de como o mundo pode precisar se preparar para o próximo choque.

Combine a escassez de mão de obra com interrupções no fornecimento e outros novos "atritos", disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG, e o que está surgindo pode ser um "mundo espelho" do que veio antes, com "ciclos econômicos mais curtos, aumentos mais frequentes das taxas de juros e inflação".

"Isso não vai desaparecer", disse ela.

Colaboraram Leika Kihara e Mark John. Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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