Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times Rússia

Réstias de luz em um ano terrível

Da volta do Ocidente ao triunfo da democracia, nem tudo o que aconteceu em 2022 foi ruim

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Financial Times

Poucos vão lamentar o fim de 2022. Vimos o ataque brutal de um déspota vil a um vizinho pacífico. Vimos a inflação subir e a renda real cair em uma crise global do custo de vida. Houve taxas de juros crescentes, um dólar forte e dificuldades generalizadas com dívidas: de acordo com o FMI, 60% dos países de baixa renda enfrentam problemas de dívida ou têm alto risco disso.

O ano assistiu à queda dos preços dos ativos e ao aumento da volatilidade nos mercados. Tivemos movimentos importantes na direção do desacoplamento entre os Estados Unidos e a China e a formação de blocos concorrentes centrados nas duas superpotências, com a Rússia firmemente no lado da China.

Vimos o fracasso da conferência COP27 em dobrar para baixo a curva das emissões de gases do efeito estufa. Nem mesmo tivemos a plena recuperação das terríveis consequências da pandemia de Covid, especialmente entre as populações mais pobres do mundo.

Efeitos do ataque russo em Baryshivka, a 70 km de Kiev - André Liohn - 11.mar.2022/Folhapress

Isto é ruim. O pior ainda pode estar por vir, possivelmente muito pior. Vladimir Putin, em particular, é uma quantidade incognoscível. O mesmo vale para Xi Jinping, como vimos em sua política em relação à Covid.

Quem sabe que turbilhão financeiro os congressistas republicanos podem desencadear sobre o teto da dívida dos EUA em 2023? E a União Europeia realmente manterá o rumo na Ucrânia, enquanto as taxas de juros sobem, as economias caem em recessão e a dívida aumenta?

No entanto, nem tudo é ruim. Em 2022, a luz também brilhou na escuridão. Vamos celebrar isso antes de mergulharmos em um novo ano.

O Ocidente está de volta. A invasão da Ucrânia uniu os que compartilham valores democráticos. Para a aliança Otan, foi um momento de renascimento. Para a Alemanha, foi um "Zeitenwende" (*). Para a Finlândia e a Suécia, foi a hora de rejeitar a neutralidade. A bajulação de Donald Trump sobre Putin não conseguiu minar o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia. Volodimir Zelensky venceu a guerra de propaganda, sem dúvida. Ele é o líder heroico de que a Ucrânia –e o Ocidente– precisavam desesperadamente.

Putin não é o único homem forte que parece mais fraco hoje do que um ano atrás. O mesmo acontece com Xi e Trump. A política de Covid zero do primeiro terminou em ignomínia. A alegação da atual versão do velho despotismo chinês de que governa com maior competência do que a confusa democracia está esfarrapada.

Os déspotas do Irã estão sendo atacados pela juventude.

Os candidatos de Trump foram substancialmente repudiados nas eleições de meio de mandato. Sim, ele tem um vasto número de apoiadores para reconfortar-se. A elite republicana continua covarde. Mas o Congresso agora deixou sua tentativa de insurreição clara como o dia.

Enquanto isso, na maltratada Grã-Bretanha, o valor da democracia também foi comprovado. Movidos por temores de derrota eleitoral, os conservadores descartaram Boris Johnson, seguido pela incrivelmente incompetente Liz Truss em 44 dias. Ninguém morreu.

A democracia não é perfeita, especialmente quando assume a forma de referendos sobre temas que não se pode esperar que as pessoas entendam totalmente. Mas elas aprendem: uma pesquisa recente do YouGov mostra que 51% lamentam o Brexit e apenas 34% ainda o apoiam. Essa mudança permitirá que um futuro governo aproxime o Reino Unido da União Europeia novamente.

Tarde demais, mas com determinação, o Federal Reserve agiu para controlar as pressões inflacionárias internas nos EUA, onde eram mais fortes. Em parte em consequência disso, as expectativas de inflação permanecem sob controle. Os problemas ainda estão por vir. Mas há boas chances de que a inflação seja controlada nos EUA e em outros lugares em 2023. Um retorno ao crescimento deve ocorrer.

O aumento das taxas de juros nominais e reais abalou os mercados. A relação preço/lucro ajustada ciclicamente no S&P 500 caiu de 39 em dezembro de 2021, o segundo pico mais alto da história, para uma baixa recente de 27. Isso ainda está muito acima da média de longo prazo de 17. Mas é um movimento em direção à realidade.

Os mercados também se tornaram visivelmente mais voláteis e alguns ativos especulativos caíram fortemente. O Bitcoin caiu de um pico de US$ 69 mil no ano passado para US$ 17 mil. Isso prova que não é nem uma unidade de conta nem uma reserva de valor. Nunca foi um meio de pagamento útil. Assim como o bitcoin, também caiu o FTX de Sam Bankman-Fried. As taxas de juros podem não permanecer altas em termos reais ou nominais. Mas seus saltos lembraram os investidores do risco. Isso é bom.

A globalização também não está morta. De fato, fora dos Estados Unidos, onde as reclamações sobre o comércio injusto se tornaram quase epidêmicas, a maioria dos países entende que precisa de um comércio dinâmico para prosperar. De forma animadora, o FMI prevê que o volume do comércio mundial de bens e serviços aumentará 4,3% este ano.

Curiosamente, isso é mais rápido do que o crescimento de 2,9% no comércio de bens: o comércio de serviços está assumindo a liderança. Isso se segue a um crescimento de 10,1% no volume do comércio de bens e serviços e um crescimento de 10,8% no comércio de bens em 2021. Entretanto, o Produto Interno Bruto global deverá crescer apenas 3,2% em 2022, após 6% em 2021.

Então, o mundo não está se desglobalizando: o comércio simplesmente não está crescendo tão rápido quanto antes. Isso é, em parte, um desenvolvimento natural. A globalização não poderia crescer tão rápido quanto antes. Mas ainda está funcionando. A economia mundial também continua a crescer. Nossos ancestrais achariam isso extraordinário.

Finalmente, de uma forma confusa e mal coordenada, o mundo está deixando a Covid para trás. Há uma grande ajuda das vacinas, embora elas não sejam tão amplamente distribuídas quanto deveriam. Variantes piores são prováveis e novas pandemias também. Mas isso é progresso.

É fácil ser dominado pelos per igos, injustiças, conflitos e fracassos do nosso mundo. Certamente, são muitos. Mas nem tudo o que aconteceu este ano foi um desastre. Para aqueles de nós que acreditam em democracia, Estado de Direito, avanço econômico contínuo, integração econômica global, mercados financeiros sólidos e estabilidade monetária, 2022 não foi totalmente ruim.

Mas vamos esperar que 2023 seja melhor. Tem de ser.

(*) "Mudança de paradigma", "ponto de inflexão"; literalmente, "virada de época". Escolhida como palavra do ano de 2022 pela Sociedade da Língua Alemã, sediada em Wiesbaden, segundo a Deutsche Welle.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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