Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Como Bolsonaro, Boris Johnson tem medo de virar rainha da Inglaterra

Provável líder britânico viu base do partido Conservador derreter e governará sem maioria

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Guardadas as devidas proporções, as desgraças do brexit e da ascensão de Bolsonaro compartilham das mesmas origens e atravessam dinâmicas curiosamente semelhantes. 

Depois da revolução palaciana da semana passada que levou à demissão ou despromoção dos generais moderados do governo, o Brasil aparenta estar sob o comando de uma fratria presidencial que acena exclusivamente para o seu círculo ideológico mais próximo. 

Boris Johnson, candidato à liderança do Partido Conservador britânico, fala em evento em Birmingham, Reino Unido, em 22 de junho de 2019.
Boris Johnson, candidato à liderança do Partido Conservador britânico, fala em evento em Birmingham, Reino Unido, em 22 de junho de 2019. - Hannah McKay/REUTERS

Quando os conservadores britânicos concluírem a sua eleição interna em finais de julho, o Reino Unido será um país onde o primeiro-ministro foi eleito pelos 160 mil membros do partido —o equivalente 
a 0,3% do eleitorado. 

Repleta de escândalos, mentiras e intrigas, a eleição interna do Partido Conservador está proporcionando um espetáculo digno do PSL. Boris Johnson, provável vencedor do pleito, encarna melhor do que ninguém a degeneração do movimento modernizado no século 19 por Benjamin Disraeli e levado à glória eterna durante a Segunda Guerra Mundial sob Winston Churchill.  

Nascido no berço de ouro da aristocracia britânica e educado em Oxford, Boris cresceu em Nova Iorque e se elegeu como prefeito de Londres. 

Seria, aos olhos do chefe do sanatório do Itamaraty, um puro-sangue da elite globalista. Aproveitando a onda populista, “BoJo” se reciclou como bufão antissistema. Treinado para ser um Fernando Henrique Cardoso, ele chega às portas do poder seguindo os passos de Alexandre Frota.

 
Boris tem em comum com Bolsonaro o medo de terminar como a rainha da Inglaterra. Sob o comando de Theresa May, o Partido Conservador perdeu a maioria no Parlamento e viu a sua base derreter. Ele terá de governar com o apoio “das ruas”, ou seja, do Brexit Party, a formação recém-criada por Nigel Farage, o extremista elevado a herói nacional por Helio Beltrão em coluna involuntariamente satírica publicada neste jornal (“Nigel Farage a disrupção na política”, 29/5).

Se Boris fracassar e tiver de convocar novas eleições, os charlatões enviarão os conservadores para a lata
de lixo da história. 

Boris Johnson aceitou todas as contradições para chegar ao poder, e agora está condenado a entrar na história como o primeiro ministro que ratificou a ruptura do Reino Unido com a modernidade.

Sem um tecido de empresas médias como o Mittelstand alemão ou um polo de indústria global como a França, o Reino Unido pós-Brexit se tornará, no melhor dos casos, uma ilha-museu dos ressentimentos pós-imperiais do Atlântico Norte. No pior, implodirá em diferentes pequenas e irrelevantes nações. As sondagens dão como garantida a independência da Escócia em caso de brexit. 
 

Boris Johnson ainda não é primeiro-ministro, mas já realizou o seu destino. Bolsonaro, por outro lado, ainda precisa submeter o seu programa, desenhado para satisfazer aos anseios de uma minoria da população, com uma eleição majoritária daqui a pouco mais de três anos. No longo prazo, a desgraça britânica pode ser pior do que a brasileira.

Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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