Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Apesar de avanço dos iliberais, Europa deve sobreviver à onda populista

Eleição para o Parlamento Europeu teve avanço de movimentos ecologistas como destaque

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A eleição europeia de 2019 consolida a divisão da Europa entre democracias iliberais e liberais. A primeira conquistou cerca de 180 dos 751 assentos em jogo na eleição de ontem. Ela será representada no parlamento por três grupos distintos que partilham um desejo de desconstruir as instituições da União Europeia, mas divergem sobre quase todo o resto.

No manicômio que se tornou o Itamaraty, o chanceler e os seus acólitos veem na ascensão dos eurocéticos uma boa notícia para o Brasil. Uma ideia fútil, tendo em conta que os elementos mais xenófobos desse grupo, liderados pelo semideus do obscurantismo brasileiro Matteo Salvini, opõem-se veementemente a tratados comerciais com países das Américas. 

Resultados da eleição são exibidos em painel no plenário do Parlamento Europeu, em Bruxelas - François Lenoir - 26.mai.2019/Reuters

Às vezes dada como acabada, a Europa liberal elegeu cerca de 330 deputados. Defenderão interesses francamente pró-europeus dos sobreviventes da social democracia, dos liberais centristas e dos verdadeiros vencedores desta eleição: os movimentos ecologistas, que por sinal prometem atazanar a vida do governo Bolsonaro. Esse grupo heterogêneo deve formar alianças de circunstância com os conservadores, que não terão força para eleger o próximo presidente da Comissão Europeia sozinhos, e a esquerda populista, que elegeu cerca de 55 deputados.

Diante da fragilidade do motor franco-europeu —Emmanuel Macron foi derrotado por Marine Le Pen, e Angela Merkel viu a sua base de aliados sofrer um claro revés—, os deputados de países até ontem vistos como periféricos terão um papel central na organização da Europa liberal. Isso não é fruto do acaso. A transformação avassaladora de Portugal, Espanha e Irlanda dos últimos 30 anos tornou os valores europeus indistinguíveis da identidade nacional.

No mais, a irreversível regressão civilizatória do Reino Unido deve jogar a favor da Europa liberal. O espetáculo niilista dos deputados eleitos pelo Partido do Brexit do charlatão Nigel Farage, e a transformação a olhos vistos do antigo maior império da humanidade num mélange histriônico de Singapura e Goiás, servirão de poderoso antídoto contra os delírios anti-Europa.

Os defensores históricos do federalismo europeu sempre suspeitaram da atuação do Reino Unido, mais interessado em sabotar do que aprofundar a construção institucional. Para bom entendedor, o iminente despejo britânico deve ser festejado por progressistas.

A Europa iliberal inquieta pela vassalagem à Rússia, comprovada recentemente na Áustria, e pelo antissemitismo e racismo visceral, na origem das piores tragédias continentais.

A Europa liberal, no entanto, pode ser portadora de esperança. Para tanto, os seus novos deputados devem romper com a hegemonia franco-alemã, a administração tecnocrática, e conferir um papel decisivo a agendas ambientais e distributivas.

Hoje, a simples possibilidade de as instituições liberais se reinventarem é vista como miragem. Mas o resultado de ontem mostra que a utopia europeia, idealizada por seus pais fundadores no pós-guerra, tem tudo para sobreviver à onda populista.

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