Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Crise angolana ameaça ambições globais da Igreja Universal

Numa ironia, igreja alçou Jair Bolsonaro ao pedestal só para ver o seu império derreter

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Acusações de invasões a templos e agressões a pastores brasileiros em Angola invadiram os canais de informação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

Jair Bolsonaro manifestou apreensão, e um grupo de senadores anunciou uma missão para acompanhar os acontecimentos do outro lado do Atlântico Sul.

Porém, como me alertou um angolano que acompanha o caso, na história do caçador, o lobo passa sempre por um animal selvagem.

O bispo Edir Macedo realiza culto na praça Jardim do Méier, no Rio de Janeiro
O bispo Edir Macedo realiza culto na praça Jardim do Méier, no Rio de Janeiro - Danilo Verpa - 8.jul.17/Folhapress

Instalada em Angola há décadas, a IURD cresceu exponencialmente durante os anos 2000, quando os pastores conquistaram as camadas populares que cicatrizavam as feridas de quase meio século de violência contínua.

A partir de 2015, perante o colapso da indústria petrolífera, a igreja começou a limitar os investimentos em Angola.

A austeridade imposta por uma instituição conhecida localmente por sua exuberância criou um clima propício para a revolta dos bispos angolanos por mais poder e direitos.

Estamos perante a história de uma disputa pelo dízimo de desesperados num cenário digno de um filme de Paul Thomas Anderson, composto por templos mal pintados, trovas baianas e quinquilharia chinesa.

Cabe lembrar que o Brasil não é um império colonial, e a IURD não pode evangelizar os crentes angolanos como os portugueses cristianizavam o reino do Congo.

A IURD é uma instituição com domicílio em Angola, país soberano. Porém, nos dias de hoje, a realidade é apenas um detalhe para o Itamaraty.

Ernesto Araújo e seus devotos usaram as agressões contra brasileiros como pretexto para tentar salvar o negócio dos seus arrais religiosos.

Infelizmente para os nossos cruzados, é improvável que os angolanos cedam à pressão. Afinal, a IURD nunca foi vista com bons olhos pela elite do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder.

Treinado pelos paranoicos agentes da Alemanha Oriental, o serviço de segurança do Estado desconfia de entidades que manipulam as massas, ainda mais quando controladas do exterior.

Em 2013, o governo de José Eduardo dos Santos havia ensaiado um rompimento com a IURD, mas recuou diante dos protestos dos fiéis.

De lá para cá, o Brasil passou de potência emergente a negacionista doente. Bastou o governo angolano deixar prosperar a dissidência interna para resolver o problema.

O episódio trará consequências para a IURD. Angola é muito mais que uma provedora de generosas remessas em dólares nos tempos áureos.

É o campo de treinamento onde Marcelo Crivella e outros bispos cumpriram parte da sua formação e a base de lançamento de suas duas dezenas de operações no continente africano.

A emancipação dos bispos angolanos cria um precedente ameaçador para as ambições globais da maior multinacional da fé brasileira.

Numa ironia que marcará a história das relações entre religião e política, a IURD alçou Jair Bolsonaro ao pedestal só para ver o seu império derreter.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.