Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

Louvado seja o Tá no Ar

Humorístico da Globo faz piada sobre programação religiosa na TV sem proteger ninguém

Sem regulamentação específica e com fiscalização frouxa por parte do governo, a programação religiosa se tornou, com o tempo, o principal gênero oferecido pela televisão aberta brasileira.

Os últimos dados disponíveis, de um levantamento anual da Ancine, referentes a 2016, apontam que o proselitismo religioso ocupa 21% da grade, à frente de programas jornalísticos (15%), séries (12%), variedades (7%) e televendas (6%).

Uma vez que as tentativas de tratar seriamente deste problema não prosperam no Brasil, resta o humor do Tá no Ar, da Globo. O programa tem estimulado o espectador a refletir sobre a presença ostensiva da religião na TV desde a sua estreia, em 2014, por meio de esquetes bem provocativos.

Um deles é o Poligod, paródia de um comercial de televendas, no qual um padre de batina (Marcius Melhem) oferece promoções imperdíveis. São produtos como "hóstia saborosa", "pray station", "wi-fé" e "kit de primeiros socorros espirituais".

O segundo episódio da quinta temporada, este ano, abriu com um quadro de quase três minutos, bem longo para os seus padrões, no qual o padre da Poligod ofereceu "um óculos de espiritualidade virtual" e explicou: "Com ele você tem a Santa Missa na sala da sua casa na hora que você quiser".

Não custa lembrar que a Globo exibe nas manhãs de domingo a Santa Missa, apresentada desde 2001 pelo padre Marcelo Rossi. Está no ar desde fevereiro de 1968 e é o mais antigo programa do canal. Segundo a Ancine, 0,62% da programação da emissora é de caráter religioso.

Hoje, na disputa por fieis na TV aberta, os católicos estão menos mobilizados do que os evangélicos. Diferentes denominações arrendam horários livremente. As emissoras campeãs neste negócio, segundo a Ancine, são: CNT (89,6% da grade), RedeTV! (43,72%), Record (22,89%), Band (16,24%) e Gazeta (15,65%).

Não à toa, o Tá no Ar frequentemente também mira os evangélicos. "Eu acho que a Globo tinha que parar com essa mania de botar gay em novela e fazer uma história bíblica. Porque naquele tempo não tinha esse negócio de prostituta, de viado, de sapatão. Não é, gente?", disse um "espectador" no encerramento do episódio que abriu com o Poligod.

Nesta última terça-feira (10), foi ao ar uma paródia do reality Shark Tank, apresentado no Brasil pelo canal Sony. Trata-se de um programa no qual pequenos empreendedores tentam convencer grandes empresários, os jurados, a investir capital em seus negócios.

Um pastor (Marcelo Adnet) explicou: "A minha empresa, igreja, é um verdadeiro sucesso". Questionado sobre o produto que vende, discorreu: "Eu vendo ilusão, meu caro. As pessoas acreditam que para falar com Deus é necessário pagar um pedágio. E que é necessário ter a mim como intermediário desta conversa. E as pessoas não sabem que não é necessário nem pagar nada, nem ter intermediário. É só falar com Deus. Mas enquanto elas não descobrem, nós seguimos quietinhos aqui, tocando a nossa empresa".

A Record, sem que tivesse sido citada no quadro, vestiu a carapuça e no dia seguinte fez publicar em seu portal um artigo não assinado, no qual acusa Adnet de "promover o ódio e a segregação, especialmente a de caráter religioso".

Olha, Adnet e o programa podem até ser acusados de mau humor, o seu maior pecado eventualmente. Mas, diante do silêncio quase sepulcral quanto a esse excesso de religião na TV, louvado seja o Tá no Ar por colocar o assunto no púlpito.

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