Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

Entre fanatismo e intolerância

A experiência do guru indiano Rajneesh nos EUA é tema de um documentário

Cena de ‘Wild Wild Country’, série documental sobre a experiência do líder espiritual Osho (ao centro) nos EUA  Divulgação
Cena da série ‘Wild Wild Country’ - Divulgação

Em meio a tantos lançamentos na TV paga e nos serviços de streaming, o documentário "Wild Wild Country" chama a atenção por reconstituir uma história quase esquecida, mas muito atual, passada nos anos 1980, nos Estados Unidos.

Disponível no cardápio da Netflix, o documentário descreve a tentativa do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh (1931-90), também conhecido como Osho, de estabelecer uma comunidade religiosa em uma zona rural do estado de Oregon, na costa oeste americana.

Rajneesh ficou conhecido na década de 1970 como o fundador de um movimento místico que pregava a importância da meditação para o desenvolvimento da autoconsciência, e defendia o amor livre, a criatividade e o humor.

Em 1981, ele resolveu abandonar o seu centro religioso em Pune, na Índia, e se instalar nos Estados Unidos.

O foco de "Wild Wild Country" é justamente o impacto desta experiência americana de Rajneesh, de 1981 a 85. Mais do que uma investigação sobre o movimento religioso e os seus seguidores, o documentário se debruça sobre o choque causado pela chegada a Oregon e a reação (ou "resistência") local que eles provocaram.

Braço direito e secretária do guru, Ma Anand Sheela ocupa também o papel de general da ocupação indiana. Extremamente confiante, ela recusa o lugar normalmente submisso reservado ao estrangeiro e explicita, de forma até agressiva, a intolerância dos nativos.

À medida que o conflito toma proporções mais sérias, Sheela se revela também uma militante com poucos escrúpulos.

Dirigido pelos irmãos Chapman e Maclain Way, o documentário se constrói integralmente pela voz dos protagonistas da história. Eles falam por meio de reportagens da época exibidas na TV e em depoimentos colhidos recentemente.

Os âncoras e repórteres de televisão, vistos no material de arquivo, são também personagens importantes, ao exporem, de forma involuntária, que têm lado na história.

Não há nenhuma narração em off oferecendo uma análise ou expondo o ponto de vista dos diretores, mas a montagem, claro, deixa pistas sobre o que pensam. "Wild Wild Country" também evita o didatismo e falha na contextualização, deixando algumas lacunas sérias.

Estou falando em documentário, mas o correto seria dizer série documental. "Wild Wild Country" tem duração de quase sete horas e é apresentado em seis episódios. Em vários momentos, a série lembra programas jornalísticos sensacionalistas da TV, seja usando trilha sonora pesada, seja criando mistérios para manter a atenção do espectador.

Como observou Troy Patterson, na New Yorker, a série é tanto curta (pelas lacunas que deixa) quanto longa demais. Eu diria, exaustiva mesmo, em diversos momentos. Tenho a impressão que os irmãos Way se encantaram com a qualidade do material que reuniram e não conseguiram abrir mão de nada. Ainda assim, "Wild Wild Country" vale muito a pena pelos dois temas muito atuais que levanta —o fanatismo e a intolerância.

Lula vê TV

Mônica Bergamo registrou em sua coluna na Ilustrada, na quinta-feira (3), que o ex-presidente Lula tem reclamado da programação da TV aberta, a única a que tem acesso na sala em que está preso, na Polícia Federal, em Curitiba. "Ele diz que não aguenta mais ver tanto programa religioso na tela", escreveu a colunista.

Reclamação justa, mas é preciso registrar que, assim como seus antecessores e sucessores na Presidência, Lula não fez nada para mudar este quadro. A legislação brasileira sobre comunicações abre brechas para a locação de espaço na grade para igrejas e pouca gente, no Executivo e no Legislativo, parece interessada em mudar esta situação.

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