Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu internet jornalismo

O jornalismo e os jornalistas na Era do Clique

Marcelo Cosme é alvo de preconceito na internet ao falar de sua vida privada na TV

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Ao final de uma reportagem sobre queijos, exibida durante a tarde de sábado (20), no Jornal Hoje, o apresentador Marcelo Cosme fez um breve comentário, aparentemente despretensioso, em tom pessoal:

"Quem não gosta de queijo, né? Eu sou gaúcho, moro no Rio, sou casado com mineiro. Imagina... Lá em casa não falta queijo. Eu gosto daquele queijo cura, pra gente comer no café da manhã. Mas aí você escolhe, né? Tem queijo para todos os gostos."

A fala de Cosme acabou gerando um ruído incômodo, ainda no sábado. Como o próprio apresentador constatou ao ver a enxurrada de notas publicadas em sites de notícias, o comentário trouxe à tona "um preconceito disfarçado de matéria de entretenimento".

No site da revista Contigo, por exemplo, o título da notícia do episódio dizia: "Apresentador da Globo se empolga e expõe intimidade com o marido: ‘Quem não gosta?’".

Como bem questionou Cosme, em vídeo que divulgou na segunda-feira (22), "se fosse o Cesar Tralli falando da mulher dele, se fosse qualquer mulher falando do marido, teria toda esta matéria, esta repercussão?" E prometeu: "Enquanto a minha fala sobre meu marido chamar atenção e for parar num site, eu vou continuar falando. Até que essa fala seja naturalizada, normalizada".

Marcelo Cosme, apresentador da 'GloboNews', mostra aliança de noivado com o médico Frankel Brandão, agora seu marido - 30.set.22/Marcelo Cosme no Instagram

O caso, porém, não revela apenas preconceito e homofobia. É fruto de uma combinação de circunstâncias bem complexa e perversa que envolve os jornalistas de hoje, uma situação que poderia ser resumida como a Era do Clique.

Há toda uma indústria com profissionais de tocaia à espera de comentários ou atitudes "fora da curva", que podem gerar tráfego na internet.

É o clique que gera receitas e mantém em atividade uma infinidade de sites. Nós, jornalistas, somos estimulados, explícita ou implicitamente, o tempo todo, a produzir e formatar conteúdos que rendam cliques.

Quando comecei a trabalhar, os jornais e revistas eram medidos pelo prestígio e a tiragem que alcançavam. Hoje, cada jornalista é medido pelo número de cliques que os seus textos geram.

Também somos estimulados a interagir e produzir engajamento nas redes sociais. Esse movimento intensificou um processo de "humanização" dos profissionais da mídia, incluindo os jornalistas de televisão, que se viram obrigados a dialogar de igual para igual com os espectadores.

Situações inusitadas, como um escorregão ao vivo ou um erro técnico numa transmissão de TV, se tornaram grandes geradores de cliques na internet.

Não erra quem suspeita que muitos acidentes que viram memes são produzidos intencionalmente. É um circuito que se autoalimenta, gerando audiência nas duas pontas (TV e internet) e ajudando a popularizar os envolvidos.

Para além dessas questões até certo ponto folclóricas, não há dúvidas de que esse novo jornalismo de internet ajuda a propagar o que há de pior no mundo. Vimos muito claramente nos últimos anos, durante o governo Bolsonaro, como forças extremas e travestidas de sites noticiosos nadaram de braçada na alimentação do ódio e na disseminação de preconceitos.

Para entender melhor essa transformação recente do jornalismo, recomendo o recém-lançado "Traffic" (Penguin Press, R$ 61 no Kindle), do americano Ben Smith. O livro descreve o nascimento dos sites Gawker e BuzzFeed, que estão entre os pioneiros e mais influentes na Era do Clique.

Ben Smith durante programa na CNN, em 2018
Ben Smith em programa na CNN, em 2018 - Reprodução

Primeiro editor do BuzzFeed News, que também foi colunista do norte-americano The New York Times e fundou recentemente o Semafor, Smith conduz o leitor a um território selvagem e muito assustador. Leitura necessária.

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