Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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O rebaixamento da qualidade do que é produzido hoje na TV

É frustrante, mas esse parece ser o único caminho possível hoje

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Em janeiro, durante as celebrações dos 25 anos da estreia de "The Sopranos" na HBO, o criador da série, David Chase, colocou água no chope de seus fãs. Segundo ele, o momento atual da indústria audiovisual não convida a festas. "Talvez devêssemos encarar como um funeral", disse.

Considerada de forma quase unânime como uma das melhores séries já feitas, "The Sopranos" foi um ponto fora da curva, um acidente, disse Chase. Segundo o seu relato ao The Times, da Inglaterra, os executivos da indústria subestimam a audiência e encomendam hoje produções cada vez mais simples.

Cena da sexta temporada da série 'Sopranos' - Divulgação

Chase contou que chegou a ser alertado para não fazer televisão que "exija que o público se concentre". Tentando emplacar uma série sobre a vida de uma prostituta de luxo, ele foi informado de que o programa seria muito complexo para o público. "Me disseram para simplificar" ("to dumb it down", no original).

O criador de "Sopranos" não é o primeiro a ouvir a recomendação para reduzir a qualidade de algo na televisão. Longe disso. Há registros de pedidos como esse desde os primórdios da TV, inclusive no Brasil.

Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), ao relembrar os seus tempos de redator da TV Rio, na década de 1960, ao lado de Antônio Maria, contou: "O programa que fazíamos era horrível, mas era isso que o diretor artístico da estação queria, a ponto de –acredite quem quiser– manter outro redator só para piorar o que a gente escrevia".

Um dia Antônio Maria se cansou do trabalho e desabafou com o diretor: "Está aqui a minha parte do programa. Eu sinto muito, mas pior que isto eu não sei fazer".

Nesta semana, numa entrevista ao The New York Times, Ted Sarandos, principal executivo da Netflix, reforçou a ideia de que a indústria está realmente renunciando à ambição de produzir conteúdo de qualidade. Ele afirmou se arrepender de uma famosa frase que disse no final de 2012, quando a empresa estava começando a produzir suas próprias séries: "O objetivo é nos tornarmos a HBO mais rápido do que a HBO se torne nós".

Hoje, diz ele, "queremos ser HBO, CBS, BBC e todas as diferentes redes ao redor do mundo que divertem as pessoas, e não nos restringirmos apenas à HBO. A programação de elite, de prestígio, desempenha um papel muito importante na cultura. Mas é muito pequeno".

Com cerca de 270 milhões de assinantes, a Netflix estima alcançar 650 milhões de pessoas em todo o mundo. "Precisamos ter uma variedade muito ampla de coisas que as pessoas assistam e amem", justificou.

Diante dos 28 episódios de "Justiça 2", disponíveis no Globoplay, é inevitável pensar que a minissérie de Manuela Dias faz de tudo para facilitar a vida do espectador. Quase toda a ação é entregue de bandeja, de forma frequentemente previsível.

Com exceção de uma história –a da empresária que mata um meio-irmão e se apaixona pela pequena ladra injustamente responsabilizada pelo crime–, quase não há espaço para refletir ou imaginar.

Ambientada em Ceilândia, no entorno de Brasília, "Justiça 2" repete o modelo da minissérie original, exibida em 2016, e entrelaça inúmeras histórias fortes de injustiça. Seja no jornalismo, seja na ficção, este é um tema que naturalmente provoca indignação. Com a mão pesada da autora, ganha contornos de melodrama.

É nítido, e elogiável, o investimento da Globo, em especial na qualidade do elenco e da produção. O texto, porém, insiste em conduzir o espectador pela mão, como se ele fosse incapaz de entender, por conta própria, o que está acontecendo.

O resultado, para mim, é frustrante, mas esse parece ser o único caminho possível hoje.

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