Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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'O Jogo que Mudou a História' é uma série perturbadora

Série mostra surgimento de facções como a Falange Vermelha e Terceiro Comando

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"Cidade de Deus" não foi a primeira grande incursão do cinema brasileiro no tema das favelas, mas teve o grande mérito de mudar a percepção do público sobre o assunto. "O Jogo que Mudou a História" se apresenta com essa mesma ambição.

O personagem Gegê (Samuel Melo) em cena da série 'O Jogo que Mudou a História' - Globo

Nenhuma série propôs uma representação ficcional na televisão tão complexa e violenta sobre as origens de facções criminosas no Rio. A trama é de uma brutalidade capaz de revirar os estômagos mais fracos.

Para contar essa história, inspirada em fatos reais, a série acompanha as trajetórias de mais de uma dezena de protagonistas, indo e vindo das favelas ao presídio da Ilha Grande ao longo das décadas de 1970 e 1980. Assisti aos dez episódios; o Globoplay vai divulgar dois episódios por semana a partir desta quinta (13).

Cena do filme 'Cidade de Deus' - Divulgação

O título da série, atraente, faz referência a uma briga ocorrida ao final de uma partida de futebol, em 1983, entre times de duas favelas vizinhas, que desencadeou uma carnificina entre dois grupos criminosos. O litígio entre as duas comunidades durou cerca de 25 anos.

A história dessa partida, contada apenas no penúltimo episódio da série, não é central na narrativa, mas inquestionavelmente possui grande apelo –Cafu, Djalminha, Paulo Nunes, Adílio, Carlos Germano, Grafite, entre outros ex-jogadores, participam do episódio.

O que, de fato, mudou a história, mostra a série, foi a convivência entre presos políticos de esquerda e criminosos comuns na Ilha Grande na década de 1970. A Falange Vermelha nasce nas masmorras do presídio, como uma tentativa de enfrentar organizadamente a brutalidade dos agentes penitenciários.

"Paz, Justiça, Liberdade" é o lema do grupo, que posteriormente vira Comando Vermelho. A outra facção que também nasce na Ilha Grande, segundo a série, é o Terceiro Comando.

Os guardas da prisão são descritos como perversos e corruptos, tal qual os criminosos. Violência gera violência o tempo todo, e o espectador fica sem saber quem é pior.

Em outro plano da história, a série centra as suas atenções na atuação de um líder comunitário esclarecido, que busca atenuar as carências dos moradores, mas tem a sua atuação limitada por políticos oportunistas, de um lado, e traficantes, do outro.

"O Jogo que Mudou a História" é a terceira série que tematiza a violência urbana no Rio realizada por José Júnior, criador do Afroreggae, originalmente uma ONG nascida em Vigário Geral e hoje, também, uma empresa de audiovisual. Ele assina "A Divisão" (2019) e "Arcanjo Renegado" (2020), ambas disponíveis, como essa, no Globoplay. Diferentes personagens das duas séries reaparecem agora, em versões mais jovens.

Além da violência, a nova série provoca abertamente o público no seu esforço de humanizar os protagonistas, inclusive os mais vis. Como disse o ator Jonathan Azevedo a José Júnior: "Porque não é o estereótipo do bandido convencional, é humanizado com olhar diferenciado".

Com direção geral de Heitor Dhalia e roteiro de José Junior, Gabriel Maria, Clara Meirelles, Bruno Passeri, Manaíra Carneiro e Bruno Paes Manso, a série é classificada pelo Globoplay como uma superprodução (valores não revelados), filmada basicamente em locações, com um elenco enorme e talentoso, majoritariamente negro.

Sabendo que vou cometer injustiças, destaco o trabalho de Raphael Logam, Rômulo Braga, Bukassa Kabengele, Babu Santana, Jaílson Silva, Jonathan Azevedo, Pedro Wagner, Ravel Andrade, Sérgio Laurentino, Márcio Borges, Alli Willow e Vanessa Giacomo.

Em meio ao número até excessivo de produções que já tematizaram a dura vida nas favelas cariocas, "O Jogo que Mudou a História" se destaca como uma série perturbadora.

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