Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Spoiler da revisão do Plano Diretor: pouca chance de SP melhorar

Desde implantação do plano, em 2014, governo andou e setor imobiliário correu

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O que o Plano Diretor deveria fazer

Um plano urbanístico não tem o poder de mudar uma cidade da noite para o dia. Mas pode apontar a direção.

Tentando simplificar o cipoal de artigos, objetivos, princípios e regras, o PDE 2014 propôs que São Paulo deveria crescer através do adensamento ao longo dos eixos de transportes. E criar infraestrutura e emprego nas regiões mais carentes, com a criação de polos de desenvolvimento regionais.

O resultado até agora é desapontador. Nos tais eixos, há uma infinidade de novos prédios sendo construídos, sem nenhuma preocupação urbanística. Em outras regiões, principalmente na Leste e Sul, há vários eixos que não atraíram investimento algum. Em nenhum lugar se viu a criação das tais "novas centralidades".

Agora, na revisão prevista em lei, atrasada dois anos, deveria haver espaço para corrigir o que deu errado e melhorar o que deu certo. Aí vai uma lista pessoal de itens baseados no que tenho visto e ouvido nessas longas discussões.

Projeções demográficas pouco confiáveis

Qualquer plano deveria se basear em premissas de crescimento. Em 2014, o número mágico era de que São Paulo iria ganhar mais 800 mil novos habitantes e depois sua população iria se estabilizar, lá por 2030.

Com o grotesco atraso do Censo, não se sabe com certeza nem a população exata da cidade, nem o ganho populacional de cada bairro. Sem essas premissas, o plano fica capenga. O setor da construção civil estima que o déficit habitacional em São Paulo seja de 780 mil moradias, sendo 300 mil para novos habitantes e 480 mil do déficit já existente.

Macrozonas da cidade de São Paulo
Macrozonas da cidade de São Paulo - gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br

Baixa implementação de planos que já existem

O Plano Diretor depende da implantação de planos setoriais –habitação, transporte, áreas verdes etc. As metas de cada administração deveriam ser o reflexo desses planos. O problema: a prefeitura não está seguindo as metas que se propôs.

Um exemplo: ao deixar de cumprir a meta de construir novos corredores de ônibus, a prefeitura deixa de induzir o crescimento dos eixos e diminui o interesse do mercado imobiliário por algumas regiões da cidade.

Outro exemplo: o Plano de Habitação, provavelmente o mais importante, nunca foi aprovado pela Câmara. O resultado é que todas as iniciativas, como os bons projetos de urbanização em favelas ou a compra de unidades populares, parecem dispersas. As ZEISs, zonas onde se prevê habitação popular também precisariam estar acopladas aos eixos.

Para piorar, os principais indutores de crescimento urbano, o metrô e a CPTM, parecem andar sozinhos, independente dos planos municipais.

Mapa do sistema de transporte público de SP
Mapa do sistema de transporte público de SP - gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br

O zoneamento deveria estar subordinado a Planos Regionais.

Como não foi feito um plano de ações em cima dos diagnósticos regionais, de 2014, não existe priorização para cada subprefeitura. Assim, as iniciativas são discutidas por atacado no zoneamento, sem levar em conta o impacto local, que é diferente na Capela do Socorro na Lapa ou na Cidade Tiradentes.

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Nenhuma preocupação com a qualidade dos espaços públicos e caminhabilidade

Discute-se muito as construções, garagens, gabaritos, mas muito pouco a qualidade dos espaços públicos.

Mesmo em locais onde há dezenas de empreendimento, como em Pinheiros ou Tatuapé, não houve preocupação nem da prefeitura nem das construtoras de se juntarem para propor praças, calçadas, acessos, preservação da paisagem urbana e proteção ao comércio local.

Como se não bastasse, o mercado imobiliário está pleiteando aumentar a área de expansão, migrando agora para o miolo dos bairros, o que estava minimamente preservado. Corremos o risco de ver o modelo de prédios-gigantes-de-apartamentos-minúsculos-caros-com-varandas-artificialmente-aumentadas-e-uma-triste-lojinha-simulando-uso-misto-no-térreo se replicar até a exaustão, com a exceção de poucas construtoras mais inspiradas.

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Edifícios na av. Rio Branco, em frente à praça Princesa Isabel, região central de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

PIUs

O Projeto de Intervenção Urbana era uma das grandes esperanças de transformação de territórios específicos, mas ele simplesmente não aconteceu. Foi objeto de contestação legal para que se realizassem estudos ambientais, foi criticado por se aplicar a perímetros gigantescos e, agora, na revisão do plano ... vai mudar de nome, para Plano de Intervenção Urbana. É difícil imaginar que ganhe protagonismo ao se afastar de vez do desenho urbano.

O mais importante deles, o PIU Setor Central abrange uma área tão grande que inclui, por sua vez, outros PIUs, como o Minhocão e o Parque Dom Pedro 2°. Uma das intervenções mais importantes na região central, a anunciada mudança da gestão estadual para o centro, nunca havia sido aventada nas discussões do PIU.

O que vai acontecer agora?

A Câmara Municipal já recebeu o projeto e agora tudo pode acontecer.

Enquanto há mais de 50 audiências públicas planejadas, a verdadeira briga vai acontecer nas reuniões privadas nos gabinetes dos vereadores. Estranhamente, a Câmara pediu para que fosse discutida em conjunto a LPUOS, o zoneamento. A esdrúxula proposta já foi objeto de aviso por parte do Ministério Público de que isso não faz sentido algum.

Existe alguma chance de a cidade melhorar com essa revisão? É pouco provável. Na melhor das hipóteses, talvez tenhamos a correção de instrumentos urbanísticos, alguns projetos de melhorias locais –com mistura de moradias e transporte e a preparação para o desenvolvimento gradual de áreas mais pobres. Na pior das hipóteses, vamos ver o modelo de expansão de construções tomando conta dos bairros enquanto o resto fica ao deus-dará até 2029, o fim da validade desse plano.

Nenhum cenário prescinde de uma ação mais incisiva da prefeitura no dia a dia, para que a cidade reencontre um rumo possível de melhoria de qualidade de vida através dos planos já existentes.

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