Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Nas lições de Melbourne e Copenhague, prioridade para o espaço público

No Congresso Mundial de Arquitetura, duas das melhores cidades do mundo explicam seu sucesso

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Melbourne e Copenhague estão frequentemente entre as dez melhores cidades do mundo para viver.

No recente Congresso Mundial de Arquitetura, em julho, um painel reuniu dois gigantes do planejamento urbano responsáveis por parte do sucesso dessas cidades. O dinamarquês Jan Gehl é provavelmente o mais influente urbanista vivo do mundo, o grande difusor do conceito de Cidades para Pessoas. Rob Adams é diretor de desenho urbano de Melbourne e um dos autores do plano que requalificou a cidade.

Será que é possível aprender alguma lição com essas cidades, mesmo com realidades tão distintas? Sim, nossas cidades enfrentam problemas muito diferentes, como a violência, a desigualdade, as favelas e periferias sem infraestrutura, mas acredito que muitas das boas ideias não estão ligadas ao dinheiro que se tem para gastar, e sim à qualidade da gestão e à clareza de propósitos. Bogotá, na Colômbia, por exemplo, hoje tem mais boas ideias sendo testadas do que a maioria das cidades brasileiras.

Bogotá, 6 de agosto de 2022. O bairro de Ciudad Bolívar visto do teleférico. Foto: Sylvia Colombo/Folhapress
O bairro de Ciudad Bolívar, em Bogotá, visto do teleférico - Sylvia Colombo - 6.ago.22/Folhapress


Espaço público. Se a vida urbana fica restrita aos espaços privados, a cidade morre. Portanto, o foco do desenho urbano é a redescoberta da cidade pelas pessoas, com segurança e prioridade. Bons espaços públicos são caminháveis, têm serviços e lazer à mão, estão protegidos dos carros, têm lugares para sentar, e, em tempos de aquecimento global, têm árvores em profusão, jardins de chuva e áreas permeáveis.

A diminuição do predomínio dos carros nas vias é parte da retomada da cidade, mas isso não vem sem conflito. O aumento de calçadas, faixas de ônibus ou ciclovias sempre provoca frisson entre os que perdem espaços, até em Copenhague. As fotos da década de 1960 mostram uma cidade cheia de carros. Nos mesmos locais, hoje, há multidões de ciclistas e pedestres.

Ciclistas em Copenhague, Dinamarca - Dag Durrich - 27.mai.09/Folhapress

Em São Paulo, o maior meio de transporte são as pernas, mas o pedestre parece invisível em meio aos viadutos, avenidas, marginais e lugares perigosos. Além de ser a base da vida cotidiana, os gurus da urbanidade defendem que o pé e a bicicleta são essenciais até para o transporte público. Se é difícil chegar até o ponto de ônibus ou o terminal de trem, o sistema todo não funciona.

A vitalidade do centro. A preocupação com o centro vem da valorização do seu caráter simbólico. Em Copenhague, é no centro que as pessoas se encontram, vão a shows, fazem compras, visitam museus ou passeiam. Em São Paulo, todo mundo fala de revitalizar o centro há décadas, alguns valentes estabelecem ali novos negócios, mas isso só mostra o tamanho do desafio que é incentivar pessoas a morarem em lugares que hoje andam perigosos e malcuidados.

Continuidade. Prefeitos mudam a cada quatro anos. Nas boas cidades, as equipes técnicas garantem que essa oscilação não gere descontinuidade. Em São Paulo, nas últimas três décadas tivemos Erundina, Maluf, Pita, Marta, Serra, Kassab, Haddad, Doria, Bruno Covas e agora Ricardo Nunes. O que garantiria alguma coerência entre gestões tão diferentes (sem mencionar as surpresas vindas da Câmara dos Vereadores como no Plano Diretor) seria a presença de uma equipe técnica sob uma liderança forte que fosse capaz de trabalhar junto com os políticos para garantir continuidade aos planos. Curitiba conseguiu fazer isso, graças ao IPPUC, o órgão de planejamento urbano municipal.

Densidade com inteligência. Nove entre dez urbanistas falam em densidade e uso misto. O que vemos nas boas cidades, porém é mais inspirador do que a floresta de prédios feios de São Paulo. Gehl advoga o limite de altura de sete andares, para que os moradores dos prédios não percam o contato com a cidade.

Dá para ter densidade com esse limite? Claro que sim. Barcelona, com limite rígido de altura, é uma das mais densas metrópoles da Europa. Melbourne tem exemplos sensacionais de prédios baixos ao longo das avenidas. Os predinhos de quatro andares, do tipo que está sendo exterminado em bairros de São Paulo, poderiam aumentar drasticamente a densidade de áreas de residências unifamiliares, sem interferir tanto na paisagem.

Policiais em Melbourne, Austrália - Gary Cameron/Reuters

PPP e gestão pública. Para combater a falta de moradia nas áreas bem servidas das cidades, a iniciativa privada dá conta de suprir quem tem dinheiro. Para quem não tem, o Governo precisa intervir e garantir casas ou o aluguel social. Em Copenhague, Viena e outras grandes cidades européias, o Estado tem propriedades justamente para controlar o preço e garantir acesso a quem precisa.

O caráter local. Cada cidade precisa compreender o seu caráter e explorá-lo. Nossa história comportaria soluções mais criativas, ligadas à herança multicultural da cidade. Pegar bons exemplos em outros lugares do mundo não significa importar ideias sem pensar. Lembrei aqui do caso do Anhangabaú, que teve consultoria do escritório de Gehl na fase inicial. A responsabilidade, acredito, é nossa, ao aceitar ideias sem questioná-las.

Para quem quiser navegar com mais calma por esses conceitos, o livro mais famoso de Jan Gehl é "Cidade para Pessoas". No YouTube, está também o vídeo do debate dos dois planejadores.

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