Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Michael França

O declínio da desigualdade racial

Políticas para a primeira infância são poderosos instrumentos contra as desigualdades

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As disparidades raciais fazem parte do nosso cotidiano e, em determinados contextos, tendem a dificultar o processo de desenvolvimento das nações. Apesar disso, existe crescente conscientização sobre os desafios dessa agenda e progressivo aumento da pressão popular para endereçá-la com o cuidado que merece.

O caso dos Estados Unidos é emblemático. O viés racial daquele país tende a se manifestar de forma explícita. A morte de George Floyd, conjuntamente com a onda de protestos antirracistas de 2020, pode dar a impressão de que a situação racial não está evoluindo. Alguns acreditam que as relações raciais lá são piores que a discriminação, relativamente implícita, da sociedade brasileira.

De fato, os americanos ainda precisam enfrentar diversos desafios. Porém, há progressos tanto na redução quanto no diagnóstico empírico das disparidades.

De acordo com Robert Margo, da Universidade de Boston, a razão da renda per capita dos negros sobre a dos brancos aumentou significativamente entre 1870 e 2010 (“Obama, Katrina, and the Persistence of Racial Inequality”, 2016).

Em um período de cerca de cinco ou seis gerações, essa proporção passou de pouco mais de 25% para cerca de 66%. A título de comparação, no caso brasileiro, esse número em 2019 foi aproximadamente 52%.

Além disso, os americanos, com uma população de apenas 13% de negros, elegeram Barack Obama, o primeiro presidente afrodescendente do país, em 2009. Já a sociedade brasileira, com seus 56%, tende a apostar no passado.

Em ambos os casos, para progredir na convergência de rendimentos e na redução das disparidades, será necessário avançar no enfrentamento da discriminação e da lacuna educacional.

Em uma análise usando os dados de 1979 da National Longitudinal Survey of Youth realizada por Roland Fryer, da Universidade Harvard, os homens negros americanos ganhavam 39,4% a menos do que os homens brancos. Já as mulheres negras apresentavam rendimentos cerca de 13,1% menores do que as brancas (“Racial Inequality in the 21st Century: The Declining Significance of Discrimination”, 2010).

No entanto, quando levava em consideração o desempenho educacional obtido no Armed Forces Qualifying Test (AFQT), esse diferencial caiu para 10,9% entre os homens e para 12,7% entre as mulheres.

Fryer também encontrou efeitos do desempenho educacional sobre o desemprego, o encarceramento e a saúde. Desse modo, o pesquisador advoga que o principal problema racial americano recente é procurar diminuir a lacuna da performance educacional.

Estudos apontam que essa lacuna começa na infância. Crianças negras enfrentam obstáculos que comprometem o seu progresso. De um lado, o contexto de vulnerabilidade socioeconômica influencia negativamente as suas trajetórias. Do outro, tem-se que as manifestações discriminatórias implicam vivências distintas das crianças brancas.

Reconhecendo esse desafio, o governo e a sociedade civil americana criaram, nas últimas cinco décadas, uma série de intervenções com o intuito de diminuir as disparidades educacionais.

Isso permitiu considerável avanço da literatura empírica. Diversas evidências sugerem que políticas voltadas para a primeira infância representam poderosos instrumentos na luta contra as desigualdades.

Desse modo, através de rigorosas avaliações dos impactos dessas intervenções, foi possível identificar as melhores práticas para enfrentar as disparidades. Atualmente, o desafio americano será ampliar, em larga escala, essas iniciativas.

No Brasil, existe considerável avanço na conscientização de que há um grave problema a ser resolvido. Resta avançar nos estudos empíricos para que a proposição de iniciativas e políticas sejam mais assertivas.

O texto é uma homenagem à música “I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free”, interpretada por Nina Simone.

Erramos: o texto foi alterado

A grafia do sobrenome de Roland Fryer foi escrita de forma equivocada em versão anterior desta coluna. O texto foi corrigido.

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