Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Michael França
Descrição de chapéu mercado de trabalho machismo

E os contatinhos do trabalho?

Indicação como forma de contratação funciona como mecanismo de discriminação indireta

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Um café, um almoço, aqueles elogios não espontâneos e, eventualmente, alguns presentinhos. No ambiente de trabalho, várias são as formas usadas para ampliar a rede de contatos. Dentro das empresas, isso pode permitir uma progressão mais rápida na carreira. Fora delas, aqueles que têm bons contatos tendem a conseguir melhores oportunidades.

No caso americano, estudo recente revelou que o uso de contatos pessoais na busca por emprego aumentou significativamente nas últimas décadas, tendo passado de cerca de 10%, em 1988, para aproximadamente 30%, em 2010 ("How do social networks affect labor markets?", 2016).

Usar a indicação como forma de contratação apresenta vantagens para as empresas. Por exemplo, pode diminuir a assimetria informacional em relação ao candidato. Entretanto, esse tipo de método também tem um lado negativo, pois funciona como mecanismo de discriminação indireta.

Isso ocorre porque diversas ocupações no mercado de trabalho apresentam baixa diversidade racial e de gênero. Desse modo, na hora da indicação, a tendência será a de homens brancos indicarem outros homens brancos.

Porém, geralmente, isso não ocorre de forma intencional. Homens tendem a conhecer e ter amizade com outros homens. Além disso, em um país segregado racialmente como o Brasil, é comum brancos não conhecerem negros para indicar a posições de trabalho quando elas surgem.

O indivíduo pode até estar bem-intencionado e interessado em indicar mulheres e negros para uma nova oportunidade, mas, quando abre a sua agenda de contatos, percebe a baixa diversidade da sua rede de colegas de trabalho.

Esse mecanismo representa um dos fatores que ajudam explicar um padrão identificado pelo Índice Folha de Equilíbrio Racial. Eu e os pesquisadores Sérgio Firpo e Alysson Portella verificamos que existe expressiva melhora no equilíbrio racial do ensino superior em todas as regiões do país. Também projetamos que poderá levar 27 anos para acabar o desequilíbrio entre brancos e negros se a atual tendência de convergência for mantida ("Desigualdade social sob a ótica do Índice de Equilíbrio Racial", 2021).

Entretanto, apesar do avanço no ensino superior, o mesmo não pode ser dito quando olhamos para os 10% mais ricos da população de cada estado. No topo da distribuição de rendimentos, encontramos que existe uma tendência de piora no desequilíbrio racial.

Nesse contexto, apesar de o país ter avançado no sentido de melhorar as oportunidades de acesso ao ensino superior, ainda existem forças silenciosas favorecendo a elite branca no mercado de trabalho. O filho de um porteiro ou empregada doméstica pode até conseguir entrar na Universidade de São Paulo. Porém, no final, a rede de contatos vai gerar uma série de vantagens aos colegas mais afortunados.

Nesse âmbito, uma organização que preze pela justiça social deve se esforçar para que, pelo menos, o conjunto de trabalhadores que participam dos seus processos seletivos apresente diversidade racial e de gênero.

Entretanto, é sempre bom ter em mente que contratar negros e mulheres vai além de uma questão de justiça social, mas faz parte de um projeto de país mais próspero.

Prezado leitor, se você estava esperando que a coluna falasse sobre outro tipo de contatinho do trabalho, sinto tê-lo decepcionado. Mas, para não perder o costume das colunas, e com o intuito de diminuir o preconceito contra o funk, o título é uma homenagem à divertida música "Contatinho", de Rodrigo Martins, Marco Lima e Edmilson Santos. Interpretada por Anitta e Leo Santana.

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