Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Michael França

Sobrevivente pela educação confronta ignorância brasileira

Pretos estão mal no ensino, mas brancos não estão bem

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Em 2017, durante a 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), uma senhora de 77 anos de idade que estava sentada na plateia chamou a atenção no evento por meio de seu discurso emocionante que destacava o valor da educação e os desafios do racismo.

"Eu sou uma sobrevivente pela educação. Com todo o preconceito e com todas as coisas, eu venci", disse Diva Guimarães, que é professora aposentada, neta de escrava e filha de lavadeira. Em seguida, ela complementa: "Às vezes, apanhava até sem saber. Isso marcou a minha vida profundamente".

Através de um discurso de aproximadamente 13 minutos, Guimarães se tornou a grande estrela da Flip daquele ano. Com uma denúncia profunda de todas as barreiras que teve que superar para se educar, ela emocionou os espectadores e o ator Lázaro Ramos. Seu vídeo na internet teve milhares de visualizações.

Imagem mostra mulher negra de cabelos grisalhos. Ela está de lado em uma praça.
A professora Diva Guimarães (77) - Bruno Santos - 28.jul.17/Folhapress

Embora seja comum haver certa comoção com declarações desse tipo, educação e inclusão não parecem ser valores arraigados em nossa sociedade. Isso se reflete no desempenho escolar. Um rápido olhar sobre os dados revela o quanto precisamos avançar no que diz respeito à melhora no nosso sistema educacional.

Para as crianças que ainda vão para as escolas no Brasil, os resultados em termos de aprendizagem costumam ser pífios. Estudos especializados na área mostram que, embora tenhamos tido consideráveis progressos no 5º ano do ensino fundamental, os avanços no 9º ano e no ensino médio não são animadores quando analisamos o desempenho médio e, em particular, quando levamos em consideração o aspecto racial.

Em um estudo realizado no âmbito do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, eu e os pesquisadores Gerrio Barbosa e Alysson Portella mostramos que, em praticamente todos os estados brasileiros, avançamos na média de desempenho no 5º e no 9º ano do ensino fundamental, mas com uma piora no hiato racial. Ou seja, aumentou a diferença entre o desempenho médio dos brancos e dos negros no ensino público ("Desigualdade racial no ensino básico", 2023).

Mesmo no Ceará e em Pernambuco, que são tidos como casos de sucesso por serem estados relativamente pobres que conseguiram significativos progressos educacionais nas últimas décadas, o hiato racial ampliou-se de forma expressiva.

Em vários estados, principalmente os das regiões Norte e Nordeste, os pardos iam melhor que os brancos. Contudo, houve uma reversão ao longo do tempo. No caso dos pretos, o cenário é bem pior. Esse já era o grupo que apresentava o desempenho médio mais baixo e, no período compreendido entre 2007 e 2019, o hiato em relação tanto aos brancos quanto aos pardos aumentou significativamente. Os estados de Santa Cantarina e Rio Grande do Sul despontam como aqueles que apresentaram maior hiato de desempenho dos pretos no 9º ano do fundamental.

Embora isso chame a atenção, é importante destacar que mesmo no caso dos brancos o desempenho está longe do ideal. Uma porcentagem relativamente baixa deles conseguiu atingir os níveis Proficiente e Avançado de aprendizado no ensino público.

Devemos lembrar também que muitas crianças abandonam as escolas. A taxa de evasão escolar no país é altíssima. De acordo com os dados do IBGE, desinteresse, necessidade de trabalhar e gravidez são as principais razões pelas quais temos essa alta evasão escolar.

Tais números acendem mais um sinal de alerta para a sociedade brasileira. Em um cenário de consideráveis progressos tecnológicos, será difícil o mercado de trabalho absorver tanta gente com baixo nível educacional nos próximos anos.

Nesse contexto, se o objetivo for deixarmos de ser uma sociedade repleta de ignorantes, precisaremos acordar para o fato de que a educação extrapola os muros das escolas. Ela é fruto de uma construção coletiva.

O texto é uma homenagem à música "Papo de Jacaré", de Rivanil Jesus e Carlinhos Santos, interpretada por P.O.BOX.

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