Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Michael França

Contracultura se retroalimenta e pressiona ideais elitistas

Minorias estão remodelando aspectos relevantes da identidade nacional

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"A Anitta representa a degeneração da nossa cultura", disse aborrecido um colega da elite carioca. Embora ele tenha revelado parte de seu preconceito nessa afirmação, existe algo relevante implícito a ela. O país passa por um processo de transformação em que determinados ideais, especialmente aqueles mais elitistas, vêm sendo contestados.

Definir o que é cultura não é algo trivial. Entretanto, ela pode ser pensada como o conjunto de perspectivas, normas e crenças, dentro e entre grupos, que moldam e são moldados tanto por aspectos sociais quanto econômicos da interação humana. Por sua vez, a herança cultural é meio que uma voz silenciosa do passado que influencia aquilo que é valorizado nas sociedades modernas e tende a se refletir em desdobramentos econômicos e sociais significativos.

Quando o padrão cultural reproduz desigualdades e discriminação, ele se torna não somente uma fonte de exclusão como, à medida que a população começa a tomar consciência disso, passa a representar também uma fonte de conflitos.

No percurso da história, alguns grupos acabaram se tornando mais proeminentes que os demais. Isso permitiu que seus ideais fossem difundidos e assimilados por uma ampla parcela da população. Apesar da sua força econômica e política ainda persistir, alguns fatores associados ao funcionamento das sociedades contemporâneas têm freado, ao menos parcialmente, o ímpeto do poder de influência dos setores hegemônicos.

Um desses fatores vem da dinâmica demográfica. Já faz décadas que a taxa de fecundidade entre os mais ricos está abaixo do nível de reposição populacional. Dado que eles tendem a casar-se entre si, o que se observa é que velhas dinastias podem estar, simplesmente, no caminho da extinção.

Por outro lado, a procriação entre os mais pobres no Brasil continuou a todo vapor por anos. Isso mudou a composição da sociedade ao longo do tempo e fez com que uma parcela cada vez maior da população viesse de origens desfavorecidas.

No entanto, apesar da profunda negligência com os direitos reprodutivos das mulheres, principalmente as de baixa renda, houve avanços na ampliação do acesso ao ensino superior e nos anos de estudo concluídos no ensino básico. Tal avanço não foi suficiente para garantir que todos tivessem um nível de aprendizado equivalente, mas permitiu que parcela dessa massa de gente começasse a questionar com maior intensidade determinados padrões. A ausência de representatividade nos espaços de maior prestígio social, por exemplo, é apenas um deles.

Ao mesmo tempo, tivemos a intensificação do progresso tecnológico, que, em certa medida, democratizou a produção e o consumo de novos conteúdos. Se, no passado, a família, a escola e a grande mídia eram responsáveis por uma alta parcela dos valores difundidos, agora há considerável concorrência com aquilo que é propagado via redes sociais e pelos milhares de influenciadores contido nelas.

Em todo esse contexto, tem-se um processo dinâmico em que a demanda e a oferta por perspectivas alternativas ao padrão cultural excludente do elitismo brasileiro vão se retroalimentando ao longo do tempo. No final, não é uma surpresa que as minorias estejam ampliando seu poder de influência e remodelando aspectos relevantes da identidade nacional.

O texto é uma homenagem à música "Girl from Rio", de Anitta.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.