Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Educação (não) é mais importante atualmente?

É corriqueiro presenciar na sociedade brasileira pessoas com credenciais acadêmicas que não conseguem resolver problemas triviais

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Esperança reflete um dos principais motivos que moveram milhares de retirantes e moradores de regiões rurais para áreas urbanas ao longo do século 20. A migração representava uma alternativa para fugir da pobreza e da seca; os migrantes transformaram a despedida em uma possibilidade de florescer em terras desconhecidas.

Discriminação, falta de moradias e dificuldades de adaptação são somente algumas barreiras enfrentadas no decorrer de suas jornadas. Dada a baixa escolaridade, muitos deles tiveram que se submeter a diversos trabalhos braçais e, em vários casos, degradantes. Faziam de tudo para procurar garantir melhores oportunidades para si e para suas famílias.

Mulher faz anotações em caderno
Pessoas estão sem qualificação para entrar no mercado de trabalho - Adobe Stock

Muitos conseguiram. Não só melhoraram suas condições de vida como contribuíram para o desenvolvimento econômico e influenciaram as culturas dos lugares para os quais migraram. Entretanto, atualmente, isso seria bem mais difícil. O progresso tecnológico está excluindo trabalhadores com baixo nível educacional. Soma-se a isso a globalização, processo que potencializou a perda de empregos em muitas regiões.

Em vários centros urbanos, temos uma nova configuração da pobreza. Se, no passado, muitas pessoas eram consideradas pobres devido ao baixo rendimento de seus trabalhos, hoje em dia, uma parte considerável delas não tem habilidades suficientes para se inserir em um mercado de trabalho que demanda profissionais mais qualificados.

A importância da educação cresceu com as rápidas transformações modernas, e a sociedade está sendo cada vez mais dirigida pela tecnologia. A era digital está mudando as relações tanto dentro quanto fora do mundo do trabalho, e a automação está reconfigurando o mercado, com algumas atividades sendo gradativamente substituídas por máquinas.

Porém, ao mesmo tempo, também há a criação de empregos bem remunerados em novas ocupações. Aqueles com melhor nível educacional tendem a se beneficiar mais. Nessa nova dinâmica, o contínuo desenvolvimento de habilidades se faz necessário para não ser excluído e, progressivamente, empurrado para margem do sistema.

Adicionalmente, em um mundo mais interconectado, compreender a diversidade cultural e os assuntos globais em sua profundidade é competência cada vez mais relevante. Nesse contexto, é válido questionar se o atual modelo educacional brasileiro está sendo adequado.

Penso que não. Somente ir para escolas, universidades e outros institutos de ensino não credencia as pessoas para lidar com os atuais desafios. Elas também precisam aprender. Isso é algo básico, mas é relativamente corriqueiro presenciar na sociedade brasileira pessoas com credenciais acadêmicas que não conseguem resolver problemas triviais.

Apesar de existirem algumas ilhas de excelência, não é apenas o lado técnico do modelo educacional do país que é ruim; também há deficiências na capacitação dos indivíduos para pensar criticamente e ajudá-los a navegar por diferentes ambientes. As pessoas parecem estar sendo adestradas mais para pensar de acordo com a doutrinação de grupos do que sendo empoderadas para o pensamento crítico.

Todo esse contexto de transições e deficiências educacionais contribui para uma piora da desigualdade tanto dentro quanto entre países. Tal cenário tende a ser uma barreira adicional para os desfavorecidos e para os descendentes daqueles que cruzaram o país com uma fé intrínseca de reconstruir suas vidas nos meandros urbanos.

A despeito dos esforços, seus filhos, herdeiros de suas histórias de superação, não estão conseguindo contornar as adversidades. Muitos se encontram em condições mais precárias atualmente. O árduo progresso conquistado por seus pais parece estar evaporando diante das crescentes disparidades educacionais e sociais.

*

O texto é uma homenagem à música "Romaria", composta e interpretada por Renato Teixeira.

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