Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Michael França

Habilidosos em encenar a virtude

Moralismo segrega e limita nossos potenciais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Michael França

"Um homem vai ao supermercado uma vez por semana e compra um peru. Antes de cozinhá-lo, prática atos sexuais com ele. Depois, o cozinha e come."

Isso é moralmente errado? Pergunta Jonathan Haidt, professor da Universidade de Nova York, em seu livro "A mente moralista: por que pessoas boas são segregadas por política e religião". Se você acredita que as pessoas têm o direito de fazer o que quiserem desde que não prejudiquem outras, possivelmente não verá problema na história acima.

Entretanto, se você não partilha dessa perspectiva, provavelmente vai achá-la moralmente errada. Compreender como a moralidade pode variar nas mais diversas situações é um dos primeiros passos para entender sua mente moralista.

Nossa natureza está diretamente relacionada ao senso de superioridade moral e propensa ao julgamento. Todo mundo (menos você) é hipócrita. Contudo, segundo Haidt, "somos de fato hipócritas egoístas tão habilidosos em encenar a virtude que enganamos a nós mesmos".

Imagem f=gerada por computador mostra como seria um mapa do cerebro
Neurônio piramidal digitalizado na plataforma Neuroglancer. Cientistas lançam mapa interativo do cérebro humano que permite 'viagem' pelo órgão Plataforma interativa criada por pesquisadores do Google e da Universidade Harvard mostra detalhes do sistema nervoso - Divulgação/Google/Lichtman Laboratory-8.jun.2021

O moralismo nos segrega, limita nossos potenciais e dificulta a compreensão de nós e do outro. Ficamos cegos para os mundos morais alternativos quando encontramos pessoas ou grupos que compartilham de nossas narrativas.

Temos uma reação emocional toda vez que há uma contestação de nossos costumes ou crenças. A racionalização não costuma buscar a verdade, mas sim, razões para endossar nossas paixões. Tal constatação já havia sido feita pelo filósofo David Hume em 1739 quando destacou que a razão é escrava das paixões.

De forma semelhante, Haidt joga a razão para os bastidores da mente humana. Segundo o autor, a maior parte da ação na psicologia moral vem de processos automáticos derivados de nossas reações emocionais. Nesse contexto, o desejo e a razão nos colocam em diversos conflitos.

Ele argumenta que a aparência e a reputação são mais importantes para as pessoas do que a realidade. Costumamos fazer as coisas mais populares, não as certas. Damos muita importância para opinião pública e para os julgamentos dos outros. A sobrevivência dos nossos ancestrais parece ter sido derivada mais da reputação do que da verdade.

Somos muito convencidos da própria virtude e criamos uma série de justificativas, muitas vezes infundadas, para endossar nossas crenças. Para isso, os truques mais sujos de retórica costumam ser usados. Como bons argumentadores, estamos em busca dos melhores argumentos que fortaleçam nossos pontos de vistas. Procurar evidências que não sustentem nossa visão de mundo é uma tarefa árdua.

Peter Wason já tinha apontado para essa tendência da mente humana. O viés de confirmação representa a procura de novas evidências para confirmar aquilo que já se pensa. O auto interesse, a identidade social e as emoções são poderosos fatores que nos afastam de um pensamento exploratório e nos levam para um confirmatório. Eles nos induzem a chegar a uma conclusão predeterminada.

Deste modo, por mais brilhante que seja, devemos ser cautelosos com a capacidade de raciocínio de qualquer indivíduo. Mesmo nas universidades, o viés de confirmação e a exibição moral fez com que muitos cientistas perdessem os valores da ciência.

No texto original, Jonathan Haidt usa frango e não peru como exemplo. A troca aqui foi apenas para entrar no clima natalino. Em mais um ano como colunista da Folha, agradeço ao jornal a oportunidade e a todos os leitores que estão acompanhando a coluna. As críticas, sugestões e apoios são importantes para o desenvolvimento do trabalho. Por fim, para não perder o costume, o texto é uma homenagem à música "Má-Lida", composta por Di Melo, interpretada por Di Melo e Josyara.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.