Milly Lacombe

Escritora, colunista das revistas Trip e Tpm e autora de 'O Ano em Que Morri em Nova York'

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Milly Lacombe
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Simula, Brasil

Há uma simulação que poderia nos reconciliar com as fundações de nosso futebol

São Paulo

Se existe uma unanimidade em relação à seleção brasileira, ela é o cansaço do torcedor em relação às constantes simulações que vemos em campo, um teatro espalhafatoso que hoje, para nossa vergonha coletiva, já está associado à camisa amarela. 

As dezenas de câmeras distribuídas pelo gramado não deixam dúvidas a respeito dos fingimentos, e ainda assim os jogadores insistem em ofertar ao mundo múltiplas imagens de exageros e de farsas. 

Neymar durante a partida entre Brasil e Costa Rica
Neymar durante a partida entre Brasil e Costa Rica - Giuseppe Cacace/AFP

Simular é fazer parecer real uma coisa que não é real. Simulações são mentiras, e já não aguentamos mais mentiras, venham elas do campo, do Congresso, do Planalto; da boca de políticos e empresários, do show de Neymar e companhia. Mente o jogador que cai levando as mãos ao rosto para tentar induzir o juiz a expulsar o adversário, mente o narrador que se esgoela por uma emoção que não estamos vendo na tela, mente a propaganda que tenta fazer do treinador da seleção uma espécie de guru-futebolístico-nonsense. Já percebemos o truque, mas o sistema é viciado em mentir e não opera sem elas. Nem deveria, já que os resultados são sempre positivos. 

Ao aplicar estímulos condicionantes em um organismo, as respostas são comportamentos desejados. Somos facilmente condicionados a práticas adequadas à manutenção de sistemas de poder. É a forma de fazer com que sigamos consumindo alucinadamente mesmo sabendo que o acúmulo vai acabar com o planeta. 

Falsas necessidades são criadas e, feito ratinhos, seguimos girando a roda. Como válvula de escape, acabamos expressando nossa revolta esbaforindo contra a podridão moral do jogador que leva um totó na canela e rola dez metros uivando com a expressão de quem está tendo o fígado retirado com as mãos e sem anestesia. Não aguentamos mais o espetáculo da manipulação, aconteça ele onde for.

Há, entretanto, uma simulação que poderia nos reconciliar com as fundações de nosso futebol: o drible, o mais legítimo dos fingimentos, a mais poética das mentiras, a mais doce das enganações. Mas atualmente só praticamos o drible quando o resultado já está garantido, e a fim de humilhar quem já não consegue mais lutar. 

Talvez por tudo isso o mascote Pistola seja a segunda unanimidade; um canário mal-humorado, emputecido, enfadado e que parece pensar: Brasil, me ajuda a segurar essa barra que é gostar de você.

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