No dia 15 de março recebi o telefonema desesperado do meu melhor amigo, Guedes, de 97 anos.
“Mirian, só vejo caixões na Itália. Os filhos não podem se despedir dos pais. Como vai ser no Brasil?”
Eu reagi chorando: “Para de ficar vendo TV, você não pode fazer nada pelos que estão morrendo na Itália e no Brasil. Mas pode fazer muito por mim, pode cuidar de mim”.
Imediatamente ele mudou de atitude: “Deixa comigo”.
Desde então, tirei o foco do que não depende de mim, e resolvi investir toda a minha energia no que posso fazer de útil neste momento dramático. Parei de ver TV e passei a usar todo o meu tempo para cuidar dos meus nonagenários.
O que estou fazendo?
- Escutando com atenção e conversando muito com eles;
- Alimentando a minha alma das risadas gostosas do Guedes e da Thais, de 95 anos. Eles me ligam todos os dias para conferir o resultado de um caça palavras que inventei para jogar com eles. É o momento mais feliz do meu dia;
- Criando atividades que podemos fazer por telefone: ler livros, contar histórias, exercitar a memória;
- Mostrando aos seus filhos que os velhos não podem ser tratados como crianças teimosas, que eles estão sofrendo para se adaptar a uma tragédia que lhes foi imposta como uma prisão;
- Não desperdiçando um só minuto com preocupações e problemas menores. O tempo é o meu bem mais precioso;
- Demonstrando que reconheço o valor e a importância deles na minha vida;
- Agradecendo por eles estarem cuidando de mim e me ajudando a sobreviver emocionalmente neste momento assustador.
Aprendi que, apesar da situação desesperadora, tenho a liberdade de escolher a atitude que posso ter frente ao sofrimento inevitável. Estou conseguindo ocupar o meu tempo e alimentar a minha alma de uma forma útil. Meu propósito é escutar, conversar, amar e cuidar dos meus mais queridos amigos.
Como você está enfrentando o pânico?
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