Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo maternidade

Não querer ter filhos é egoísmo?

Pesquisas revelam que 37% das mulheres brasileiras não querem ter filhos

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As mulheres sempre me perguntam: "Por que você decidiu não ser mãe? Você se arrepende da sua decisão de não ter filhos?".

Até os meus 40 anos, fui bastante questionada e criticada por ter feito a opção de não ter filhos: "Quem vai cuidar de você na velhice?"; "Você vai ser uma velha solitária e abandonada"; "Você vai se arrepender de não ter a experiência mais gratificante que uma mulher pode ter"; "Por que então você não adota?"; "Nossa, como você é egoísta!".

A pressão pela maternidade nunca veio da minha família, tampouco dos meus namorados e ex-maridos, mas das amigas mais próximas. Só para dar um exemplo: há alguns anos, eu estava dando aula na pós-graduação sobre papéis sociais femininos e contei que meu marido é o responsável por cozinhar, lavar a louça, fazer as compras no supermercado. Uma professora perguntou por que eu não fazia essas tarefas femininas já que eu tinha muito mais tempo livre por não ter filhos. Um aluno respondeu: "Professora, porque ela escreve livros!".

Menina pequena beija a barriga da mãe grávida
Unsplash

Ela reagiu debochadamente: "Lógico que a Mirian escreveu mais de 30 livros, ela não tem filhos". Para ela, eu só consegui ter sucesso na minha profissão porque não sou mãe.

Como mostro no meu novo livro "A Arte de Gozar: Amor, Sexo e Tesão na Maturidade", algumas mulheres podem ser muito cruéis e preconceituosas com aquelas que fazem escolhas diferentes do modelo tradicional "mãe e esposa". Para uma jornalista de 43 anos, "as mulheres podem ser as piores inimigas daquelas que não querem ter filhos":

"Minhas amigas dizem que sou egoísta porque não quero ser mãe. Não aceitam que ter filhos é uma opção de cada mulher, não um destino inevitável ou uma obrigação social. Não acreditam que posso ser feliz sem ter a experiência de ser mãe. Quando digo que não quero ter filhos, elas indagam: ‘Então por que você não adota?’. Respondo que não é o meu desejo e elas insistem: ‘Mas como vai ser sua velhice sem ninguém para cuidar de você?’".

Ela disse que escuta um monte de clichês sofre a impossibilidade de ser feliz sem ter filhos:

"Já fui xingada de doente, neurótica, histérica, louca, anormal, problemática, infeliz, coitada, desequilibrada, perturbada, frustrada, fracassada e coisas bem piores. Algumas amigas me fazem sentir que tenho algum defeito de fabricação e que sou uma aberração por não querer ter filhos. Dizem que toda mulher nasceu para ser mãe, que não é natural não querer ter filhos, que não vou ter a experiência mais significativa da vida de uma mulher. Acham que vou ser uma velha solitária, deprimida e abandonada".

A verdade é que essa situação está mudando rapidamente e hoje as mulheres são mais livres para escolher se querem ou não ter filhos.

Uma pesquisa global realizada com o apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think About Needs in Conception (Tanco) revelou que, no Brasil, 37% das mulheres não querem ter filhos.

O número de filhos por mulher no Brasil vem caindo gradualmente desde a década de 1960, quando o governo começou a divulgar métodos anticoncepcionais e as mulheres passaram a entrar massivamente na força de trabalho. Em 1960, a taxa de fecundidade no Brasil foi de 6,3 filhos por mulher; a taxa caiu para 5,8 em 1970; 4,4 em 1980 e 2,9 em 1990. Entre 2000 e 2020, o número médio de filhos caiu 25%: passou de 2,08 filhos por mulher para 1,56.

Ainda mais: as brasileiras estão tendo filhos cada vez mais tarde. De 2000 para 2020, a proporção de registros de nascimentos cujas mães tinham menos de 30 anos caiu de 76% para 62%. Já a proporção de registros de nascimentos cujas mães tinham mais de 30 anos subiu de 24% para 38%.

Voltando à pergunta que sempre me fazem: "Você se arrepende da sua decisão de não ter filhos?".

Como não tenho bola de cristal, não sei se irei me arrepender no futuro, mas, até hoje, não me arrependi da minha decisão. No entanto, devo confessar que algumas vezes me pergunto: será que uma mulher pode se sentir plenamente feliz e realizada não sendo mãe? Como seria a minha vida se eu tivesse filhos? Será que eu sou egoísta por não querer ter filhos?

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