Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo Todas genética

Você quer viver mil anos?

'Profeta da imortalidade' acredita que grande parte das pessoas que estão vivas hoje nunca serão biologicamente velhas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando publiquei a coluna Eu vou viver 120 anos —médico centenário ensina a envelhecer com saúde, alegria e gratidão—, sobre o médico Nobolo Mori, de 100 anos, recebi o seguinte comentário de um leitor: "Ah, mas ele é uma exceção! Os nonagenários e centenários que são seus melhores amigos são uma minoria da minoria, e não são relevantes socialmente. Por que você não escreve sobre os velhos pobres e abandonados pela sociedade e pela família?"

Fiquei triste, pois sempre falo da violência física, verbal e psicológica que os mais velhos sofrem, especialmente dentro das próprias casas e famílias. Mas quero escrever também sobre os meus melhores amigos, pois, apesar de serem exceções, eles ensinam um caminho para envelhecer com mais autonomia, alegria e saúde física e emocional.

Homem camisa branca, sentado, diante de um bolo com velas referentes a 100 anos em cima
O médico Nobolo Mori nas comemomorações de seu aniversário de 100 anos - Leitor

A antropóloga Fernanda Rougemont, minha orientanda no doutorado, estudou a trajetória de Aubrey de Grey, um cientista inglês que está tentando criar medicamentos e tratamentos para reduzir os danos provocados pelo envelhecimento. Conhecido como "o profeta da imortalidade", ele acredita que será possível viver até os mil anos, pois, com as células-tronco e a terapia gênica, não ficaremos mais frágeis, doentes e dependentes.

Em uma palestra no Brasil, em 2017, Aubrey de Grey afirmou que grande parte das pessoas que estão vivas hoje nunca serão biologicamente velhas. Ele defende que os primeiros seres humanos imortais já estão vivos e andando entre nós. Obviamente, suas afirmações têm provocado muitas polêmicas.

Perguntei aos meus pesquisados: "Você gostaria de viver mil anos?". Mais de 70% não querem viver tanto tempo, nem chegar aos 100 anos. Eu, ao contrário, adoraria viver mil anos, ou, ao menos, chegar aos 100 como meus melhores amigos.

Na semana passada, o médico Sidnei Mori, de 68 anos, me enviou seis vídeos do seu pai, Nobolo Mori, jogando golfe e fazendo exercícios de musculação com pesos nada leves. Perguntei como Nobolo se tornou um médico tão querido em Mogi das Cruzes.

"Meu avô veio na terceira leva de imigrantes japoneses, em 1911. Meu avô, por ter habilidade em marcenaria, foi contratado para fazer pontes no interior de São Paulo. Meu pai nasceu em Birigui, em 1924, em uma família de lavradores. Meu avô mudou-se para Mogi das Cruzes em 1939, e com o trabalho em uma chácara, vendendo galinhas, conseguiu criar os seis filhos. Meu pai, o segundo filho, havia sido destinado a ser o sucessor do meu avô na lavoura, e, para ser lavrador, não precisava estudar. No entanto, o terceiro filho, que estava destinado a ser médico, morreu aos sete anos com uma picada de cobra. Então meu avô disse para meu pai: ‘Como quem ia ser médico morreu, você agora vai estudar para ser médico’. Meu pai começou o primário aos 11 anos, era o mais velho da turma. Em 1953, ele se formou como médico na Universidade Federal do Rio de Janeiro."

Desde os sete anos Sidnei escuta o pai dizer que vai viver 120 anos.

"Papai sempre foi uma pessoa de gostos muito simples. Nunca se interessou por vinhos, restaurantes, roupas, carros. O que ele sempre gostou de fazer é trabalhar muito, atender pacientes, construir. Ele ficou feliz quando construiu um hospital em Mogi, ficou feliz quando conseguiu comprar um sítio onde meu avô viveu até o fim da vida".

Sidney conta que o pai, aos 100 anos, "não dá nenhum trabalho".

"Ele sempre cuidou da saúde, sempre fez exercícios e resolveu ser vegetariano. Todos os dias, não parou nem na pandemia, ele anda quatro quilômetros e joga quatro horas de golfe. Não toma nenhum medicamento porque não tem nenhuma doença. Com 100 anos, os exames dele são todos perfeitos. Meu pai sempre foi uma pessoa risonha, sorridente, de bem com a vida, sempre com um sorriso no rosto. Gosta de fazer piada, como quando vai tirar foto: ‘Vou fazer cara de inteligente’. Sempre agradecendo a Deus. ‘Arigatou, arigatou, arigatou’."

Tenho certeza de que meu leitor irá me questionar: "Mas quantos brasileiros conseguem estudar e superar a pobreza e as adversidades? Quantos chegam aos 100 anos com tanta autonomia, alegria e saúde?"

É verdade, caro leitor. Centenários como o meu querido amigo Nobolo Mori ainda são poucos, muito poucos. Mas se mudarmos o olhar sobre a nossa própria velhice, tirando os óculos da "velhofobia" e colocando os óculos da "velhautonomia", acredito que teremos mais chance de chegar aos 100, não é mesmo?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.