Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

O dia em que Lina Bo Bardi fez promessas para Adhemar de Barros por terreno do Masp

O museu celebra 50 anos com livro que conta a sua história

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lina Bo Bardi na construção do Masp, na década de 1960, em frente à reprodução de "O Escolar"
Lina Bo Bardi na construção do Masp, na década de 1960, em frente à reprodução de "O Escolar" - Lew Parrellla/Arquivo da Biblioteca e Centro de Documentação do Masp
João Carneiro

Em 1992, o primeiro e mais longevo diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Pietro Maria Bardi, escrevia uma carta sobre a arquiteta —e sua mulher— Lina Bo Bardi. Ela morrera mais cedo no mesmo ano, deixando uma obra cujo símbolo mais conhecido é o museu da avenida Paulista.

 

“Ao idealizar um projeto, sabia defender suas razões. Eu pude, em tantos anos de companhia, conhecer o seu ponto de vista”, diz o texto. “Era convicta de que a arquitetura podia ser poesia, o que causava às vezes juízos polêmicos. Participava — aliás, quando podia —, colaborava em um projeto, de todos os modos persuadida de que as próprias ideias eram justas, dificilmente cedendo, recolhendo a pecha de intransigente”, continua.

 

“Teve a sorte de se dedicar a trabalhos que precisavam da sua assistência. Eu a acompanhei na idealização do Masp, sua obra maior, e pude compreender o rigor que colocava no trabalho, cuidando de particularidades geralmente desprezíveis.”

 

A carta, em italiano, foi escrita por Pietro para orientar o trabalho dos organizadores de um livro sobre a arquiteta. Nunca foi publicada e está hoje conservada no Instituto Lina Bo e P. M. Bo Bardi.

 

Em novembro deste ano, a “obra maior” de Lina completa 50 anos desde sua inauguração. O museu prepara um seminário e um livro para comemorar o cinquentenário, ao mesmo tempo em que desenvolve um plano de conservação do edifício com uma bolsa de R$ 500 mil que recebeu da Fundação Getty.

 

O Masp nasceu do encontro entre Pietro, Lina e Assis Chateaubriand, dono do conglomerado de mídia Diários Associados. Pietro, um jornalista e marchand de arte italiano marginalizado em seu país por ter se envolvido com o princípio do regime fascista, chega com Lina ao Rio de Janeiro em 1946. Lá, monta uma exposição de sua coleção. Chateaubriand, que visita a mostra, convida Pietro para dirigir o museu que pretendia criar.

 

A instituição se instalou no primeiro andar da sede dos Diários Associados, na rua Sete de Abril. Logo se expandiu para o segundo pavimento. E o terceiro. Era hora de buscar um espaço maior que pudesse abrigar a coleção crescente de Chateaubriand.

 

Antes da elaboração do projeto da avenida Paulista, o empresário conduziu uma negociação com a família Penteado para que o museu se mudasse para o edifício no Pacaembu onde hoje funciona a Fundação Armando Alvares Penteado. Mas o acordo não prosperou. “E o Bardi, que era muito engraçado, primeiro falou que aquele prédio era incrível. Quando não deu certo, disse que jamais queria fazer o museu naquele prédio horrível”, conta a antropóloga Silvana Rubino, que estuda a obra de Lina Bo Bardi.

 

Finalmente, o grupo obteve da Prefeitura de São Paulo a cessão do terreno que hoje abriga o museu —para isso, travou uma disputa com o Museu de Arte Moderna, que também desejava se instalar no local, um ponto estratégico com vista privilegiada sobre o centro da cidade ao longo do eixo da avenida Nove de Julho.

 

“A Lina foi negociar com o prefeito Adhemar de Barros a concessão daquele terreno para o Masp. Ela conta —isso está gravado— que disse a ele que, se cedesse aquele terreno, ela garantiria que os Diários Associados encampassem a campanha dele para governador do estado. Adoram falar que a Lina é a Madre Teresa de Calcutá, mas não é bem assim”, diz Silvana.

 

O edifício foi inaugurado em 1968 com uma visita da rainha Elisabeth 2ª. Não há registros de que Lina tenha comparecido à cerimônia —quem conviveu com a arquiteta afirma que ela não era dada aos eventos da alta sociedade paulistana.

 

A característica mais marcante da edificação, o vão livre de 70 metros entre os pilares que a sustentam, já deu ao museu a fama de ter o maior espaço vazio deste tipo na América Latina —mas os conhecedores de Lina também dizem que ela teria considerado o recorde uma bobagem.

 

A explicação mais corrente para a escolha de Lina de suspender o edifício a oito metros do chão é a de que o urbanista uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, que doou o terreno à prefeitura ao morrer, teria exigido que se preservasse a vista do belvedere que existia ali. A antropóloga Silvana Rubino discorda, argumentando que Lina já havia desenhado um bloco suspenso para o Museu à Beira do Oceano, projetado em 1951 para São Vicente (SP), mas nunca construído. “Ela fez o museu que quis”, diz Silvana.

 

Também no interior do edifício Lina aplicou sua visão particular de um museu de arte. Em vez de exibir a coleção de pinturas nas paredes, desenhou os chamados “cavaletes de cristal” —blocos de concreto dentro dos quais são inseridas chapas de vidro em que as obras são penduradas. O objeto dá a impressão de que os quadros flutuam no espaço.

 

Em sua carta, Pietro comenta a escolha da arquiteta: “Quando, no Masp, se discutiu a apresentação das pinturas, dentro da realidade de um edifício a ser inaugurado, o cimento ainda estava secando. Teve a ideia de distanciar as pinturas da parede, aplicando-as em placa de cristal: um verdadeiro achado museográfico, que recolheu não sei quantas opiniões contrárias”.

 

Mais tarde, o “achado museográfico” da arquiteta seria o calcanhar de Aquiles de Pietro. Os cavaletes eram criticados por especialistas de arte de formação mais acadêmica, em especial porque deixaram as obras muito expostas à luz.

 

Em 1990, a imagem do diretor sofreu um duro golpe quando se denunciou uma restauração “amadorística” da pintura “Retrato de Cristoforo Madruzzo”, de Ticiano, que havia deixado uma mancha no centro da obra. A situação era agravada pelos rumores que corriam no mundo da arte de que o diretor do museu teria uma relação com a profissional responsável pelo trabalho.

 

A crise abriu caminho para uma série de mudanças no Masp ao longo da década de 1990. Pietro saiu da direção e deixou de frequentar o local em 1992. A nova gestão modificou a pinacoteca, instalando paredes para proteger as obras da luz. Pietro se decepcionou quando visitou o museu e constatou a mudança: “Eles não entenderam nada. Era mesmo hora de eu ir embora”, disse, segundo a ex-secretária do Masp Eugênia Gorini Esmeraldo.

 

Eugênia conta ainda que Pietro “quase morreu” ao saber que as pedras São Tomé que revestiam o chão do subsolo do museu haviam sido trocadas por placas de granito, no final dos anos 1990. Ele morreria de fato em 1999.

 

Nos anos que se seguiram, o museu entrou em uma grave crise, acumulando uma dívida que foi estimada em R$ 12 milhões em 2014. Naquele ano, o conselho da instituição elegeu Heitor Martins como diretor-presidente, em uma virada que deu início ao saneamento das finanças do museu e à recuperação do projeto original de Lina Bo Bardi. No final de 2015, os cavaletes de cristal voltaram à pinacoteca.

 

Em 2017, o Masp recebeu a bolsa de R$ 500 mil da Fundação Getty que permitiu a formação de uma equipe, capitaneada pelo arquiteto Silvio Oksman, para estudar a estrutura do edifício e propor um plano de conservação. O grupo tenta recuperar as informações que se perderam com o desaparecimento de parte das plantas da construção em um incêndio no escritório do engenheiro Figueiredo Ferraz.

 

No momento, o Masp se prepara para resolver um de seus últimos imbróglios: o edifício vizinho, de sua propriedade, onde já planejou um anexo nunca concretizado —parte do projeto era uma torre de 125 metros que, por sua altura e formato, foi apelidada pelo ex-secretário da Cultura Emanoel Araújo de “pirocão”.

 

Os arquitetos do museu já realizaram um novo projeto para o imóvel. Pediram recentemente a autorização dos órgãos de patrimônio para realizar sua ligação com o edifício principal. Ainda não há previsão para o início da expansão, cujo objetivo é dar ao museu cinquentenário as condições de se equiparar a instituições semelhantes em outras metrópoles do mundo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.